Para além disto, em ambas as margens do Minho é possível analisar, já com certa distância cronológica, as convergências e divergências entre a “Transição Democrática” acontecida no Reino de Espanha (1975-1982) e a passagem para a democracia da República Portuguesa, neste caso a partir do “Processo Revolucionário em Curso” (1974-1976), e de como estes acontecimentos ajudam na compreensão do funcionamento dos sistemas democráticos da Galiza e de Portugal nos últimos cinquenta anos.
Os professores Carlos Pazos-Justo (Universidade do Minho) e Roberto Samartim (Universidade da Corunha) coordenam esta obra publicada por Através Editora, selo editorial da Associaçom Galega da Língua. Com carácter comemorativo que privilegia a ótica galega do 25 de abril, o volume conta com a participação de doze autores e autoras de procedência geográfica e profissional diferente, desde pessoal académico localizado nas universidades galegas e portuguesas, passando por figuras do mundo cultural e político dos dois territórios, até agentes ligados diretamente ao processo revolucionário português.
No seu conjunto, o carácter dos textos é diverso. O livro divide-se em quatro partes, começando com um “Prefácio” escrito por ambos os coordenadores, “Cinquenta anos à sombra de uma azinheira. Notas da Galiza”, onde são explicados o enquadramento e os objetivos da obra. Após este texto introdutório, são colocados sete contributos agrupados sob o título de “Depoimentos”, consistindo em reflexões, memórias ou visões pessoais do 25 de abril, com um carácter mais pessoal e divulgativo. Fernando Rosas (historiador, professor emérito da Universidade Nova de Lisboa) analisa as forças detrás da Revolução e a evolução que estas tiveram após o 25 de abril; Henrique Barreto Nunes (ex-diretor da Biblioteca Pública de Braga) liga os eventos aos seus vínculos pessoais e culturais com a Galiza; Manuel Durán Clemente (capitão de abril de ascendência galega) comenta os preparativos para a Revolução e os inícios violentos do novo sistema democrático português; José Martinho Montero Santalha (ex-presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa) recupera o Manifesto para a Supervivência da Cultura Galega de 1974 que, se bem foi escrito antes da Revolução, foi influenciado na sua receção por ela, e desenvolve também como viveu os acontecimentos derivados de 25 de abril de 1974; Margarita Ledo (jornalista e catedrática emérita da Universidade de Santiago de Compostela) narra em primeira pessoa o programa radiofónico que coordenou desde o seu exílio no Porto, “O norte dia a dia” no Rádio Clube Português (RCP), onde eram dedicados 15 minutos para falar “para os nossos amigos da Galiza”; Manuel Mera (agente central na construção do sindicalismo nacionalista galego) explica o impacto que o processo revolucionário português teve no desenvolvimento do sindicalismo nacionalista e Vicente Araguas (Voces Ceives) apresenta a sua vinculação pessoal com o mundo musical português nos anos anteriores e posteriores à Revolução dos Cravos.
Após os Depoimentos, o volume recolhe quatro textos organizados na secção “Abordagens”. Mais próximos da escrita académica, este apartado inclui dois textos já editados em obras anteriores e dois contributos originais que analisam diversos aspetos do 25 de abril na Galiza: Elias Torres Feijó (Universidade de Santiago de Compostela) explora o impacto da Revolução nas ações dos vários grupos ativos nos campos culturais galegos da altura; M. Felisa Rodríguez Prado (Universidade de Santiago de Compostela) desenvolve as relações dos cantores portugueses com os agentes da Nova Canción Galega dos anos 70; Fernando Martínez Arribas (Universidade de Vigo) analisa a influência da Revolução portuguesa na Transição democrática espanhola e as semelhanças e diferenças no ocaso das duas ditaduras ibéricas; e Sónia Duarte (sindicalista e docente do ensino secundário) examina as relações sindicais no âmbito da docência após o 25 de abril, principalmente entre o Sindicato dos Professores do Norte (SPN) e a Confederación Intersindical Galega (CIG-Ensino).
Finalmente, o livro conclui por uma “Cronologia do 25 de abril” realizada por Alexandra Paz (Associação Conquistas da Revolução), que localiza no tempo os diferentes eventos que configuraram a oposição ao Estado Novo, a Revolução dos Cravos, o Processo Revolucionário em Curso e os acontecimentos posteriores, fixando o conhecimento desde 1945, com os inícios da oposição ao Estado Novo salazarista após o final da Segunda Guerra Mundial, até 1982, ano de dissolução do Conselho da Revolução efetuada na primeira revisão constitucional portuguesa.
Estes 50 anos de Abril na Galiza mostram que o aniversário celebrado neste ano não é só um evento de grande relevância em Portugal, mas também na Galiza. Também que a presença e evocação do 25 de abril em território galego não tem apenas origem na proximidade geográfica, mas também nos vínculos culturais, políticos e pessoais de vário tipo existentes entre a Galiza e Portugal. As circunstâncias históricas fizeram com que a oposição galega ao franquismo olhasse com interesse os acontecimentos do lado português e configurasse em grande medida as suas aspirações e ações tendo como modelo a Revolução que se realizava no território ao sul do Minho, nutrindo os repertórios destes grupos da esquerda que nela se viam referenciados.