O artigo fai parte do Informe Nós No Mundo 2023-2024 "Conectar á Diáspora á Acción Exterior de Galicia"
Nós no Mundo 2024

A emigração galega ao Brasil e os efeitos da aculturação no ano 2024

Nas duas últimas décadas, o número de galegos residentes no Brasil não tem parado de crescer. No ano 2005, segundo o Instituto Nacional de Estadística (INE, 2005), para as eleições ao Parlamento da Galiza de 19 de junho havia no Brasil 25.208 galegos residentes com direito a voto. Para essas mesmas eleições, em fevereiro 2024 o número tinha aumentado a 45.391 (INE, 2024), ou seja, um aumento de quase 80%, fazendo do Brasil o terceiro país com mais galegos sob a classificação de residentes ausentes, atrás da Argentina e de Cuba.
Apartados xeográficos Acción exterior de Galicia
Palabras chave Brasil diásporas

Esses dados podem ser relativizados considerando algumas ressalvas. Por exemplo: nas eleições ao Parlamento de 2020, dos 43.158 galegos (INE, 2020) cadastrados no Brasil com direito a voto, só exerceram esse direito 101 pessoas (PUNZÓN, 2020). Além disso, em 2022 (SECRETARÍA…, 2022) foi divulgado que tinha diminuído, de 11.059 para 10.980, o número da galegos nascidos na Galiza residentes no Brasil. Conclui-se que, enquanto, sobretudo por óbito, vai se reduzindo o número de emigrantes galegos no Brasil, está aumentando, paralelamente, o número de eleitores galegos no Brasil. Isso pode parecer um dado contraditório. Significa, no entanto que, embora a colônia galega envelheça e esteja começando a desaparecer, os filhos e netos brasileiros desses emigrantes solicitam a nacionalidade espanhola e recebem o passaporte da União Europeia engrossando, com isso, o Censo eleitoral de espanhóis residentes ausentes que moram no estrangeiro (CERA).

A relativização acima deve ir acompanhada do apontamento de que, na atualidade, haveria, aproximadamente, 10 mil naturais da Galiza, com uma alta média de idade, residindo em um país de 203 milhões de habitantes (IBGE, 2023), o qual, em proporção, de uma perspectiva quantitativa, torna irrelevante a presença galega no Brasil no séc. XXI.

Os galegos deixaram de emigrar em massa ao Brasil a meados de 1960; no entanto, ainda que seja muito difícil de precisar, calcula-se que, entre as décadas de 1880 e 1960, puderam ter desembarcado e permanecido no Brasil 200 mil galegos. Embora tenha sido, dentro das dimensões do Brasil, uma quantidade pequena, a chegada de galegos foi constante durante esse período; além disso, uma parte considerável desses emigrantes concentrou-se em poucas cidades do litoral – Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Santos, o que possibilitou a visibilidade dessa presença.

Diversas pesquisas acadêmicas analisaram a história dessa emigração e a sua contribuição nos campos sociais brasileiros; destacam-se as obras Galegos no Paraíso Racial, de Jefferson Bacelar (1994), sobre os galegos de Salvador, A imigração galega em São Paulo, 1946-1964, de Elena Pájaro Peres (2003) e Galegos no Rio de Janeiro (1850-1970), de Érica Sarmiento da Silva (2006). Por outro lado, a emigração galega foi usada como matéria repertorial para as ficções de quatro narrativas publicadas no Brasil: A República dos Sonhos, de Nélida Piñon (1984), Vida, Paixão e Morte Republicana de Don Ramón Fernández y Fernández, de Nélson Correia de Araújo (1987), Nas ruas do Brás, de Drauzio Varella (2000) e Demerara, de Wagner G. Barreira (2020). Todavia, o produto de ficção que, devido ao impacto gerado, mais contribuiu à construção de uma representação sobre a Galiza – concretamente, a representação de nuanças feéricas do território em que finaliza um Caminho espiritual e transformador – nada teve a ver com a emigração; trata-se do romance Diário de um mago, de Paulo Coelho (1987).

Para entender, na atualidade, a presença galega no Brasil é fundamental prestar atenção aos princípios que marcaram a política migratória brasileira desde o início do séc. XX. Essa política, sob uma orientação nacionalista visou à integração dos imigrantes e teve pleno sucesso no tocante à assimilação dos não nacionais na sociedade do Brasil. Assim, ao longo do séc. XX, a seleção e o controle das entradas de estrangeiros, a proibição da chegada de contingentes de sujeitos com idiossincrasias avaliadas como estranhas à identidade nacional, a supervisão do associacionismo dos estrangeiros e a vigilância das suas atividades políticas, junto à educação de seus filhos em escolas nacionais, tiveram os efeitos desejados pelo Estado.

O efeito dessas políticas públicas entre os imigrantes galegos foi ter favorecido a sua aculturação na sociedade brasileira. Nesse sentido, as facilidades para a incorporação e a adaptação e, inclusive, as medidas tomadas pelas autoridades brasileiras para evitar que os estrangeiros gerassem guetos, fizeram com que os trabalhadores galegos não se associassem e criassem centros nacionais para a cultura, o lazer e as mutualidades de um modo análogo ao dos seus homólogos na Argentina e em Cuba. As três instituições mais antigas ainda em funcionamento, estreitamente vinculadas à emigração galega, são a Sociedade Espanhola de Beneficência, fundada em 1859 no Rio de Janeiro, o Clube espanhol, em Salvador, e o Grêmio espanhol, em Belo Horizonte, ambos fundados em 1911. Além disso, outra particularidade do Brasil é não ter sido destino de exilados galegos durante a ditadura franquista; pelas autoridades brasileiras, só foram enquadrados sob o estatuto do asilo político os 12 comandos galegos do Diretório Revolucionário Ibérico de Liberação (DRIL), coordenado por José Velo Mosquera, desembarcados, no porto de Recife, no dia 3 de fevereiro de 1961.

Em 2024, perante uma colônia de emigrantes galegos envelhecida e em processo de desaparição, a projeção da Galiza no Brasil tem acontecido por três vias. Em primeiro lugar, há que considerar as impressões que transmitem os mais de 1.000 brasileiros que, em média, entram a cada ano na Galiza desde o início deste século fazendo o Caminho de Santiago. Em segundo lugar, essa projeção acontece mediante as notícias, os relatos e as trocas que sobre a Galiza produzem os, aproximadamente, 10 mil brasileiros que, na atualidade, residem na Galiza (SECRETARÍA…, 2009). Em terceiro lugar, através do campo acadêmico, o qual, além de permitir constantes intercâmbios de estudantes e professores, tem gerado dezenas de pesquisas cujos objetos de estudo são questões galegas de interesse para o Brasil, como os estudos medievais, o campo literário ou o turismo. Nesse âmbito, cumpre ressaltar o grande labor que, para a difusão do campo cultural galego, vêm realizando os centros de estudos galegos da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Núcleo de Estudos Galegos da Universidade Federal Fluminense e a Cátedra de Galego da Universidade de São Paulo. Conclui-se que, na atualidade, a manutenção dos elos entre a Galiza e o Brasil está deixando de estar vinculada à emigração galega no Brasil para ser exercida pelos brasileiros que se deslocam até a Galiza e por agentes do campo cultural e do campo econômico de ambos os territórios interessados em projetos em comum.

O artigo fai parte do Informe Nós No Mundo 2023-2024 “Conectar á Diáspora á Acción Exterior de Galicia”

Referências

ARAÚJO, Nélson Correia de. Vida, Paixão e Morte Republicana de Don Ramón Fernández y Fernández. In:____. Três novelas do povo baiano. Salvador: Ianamá, 1987.

BACELAR, Jefferson. Galegos no Paraíso Racial. Salvador: Ianamá/ CEAO/ CED, 1994.

BARREIRA, Wagner G. Demerara. São Paulo: Editora Instante, 2020.

COELHO, Paulo. O diário de um mago. Rio de Janeiro: Eco, 1987.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. De 2010 a 2022, população brasileira cresce 6,5% e chega a 203,1 milhões (27 out. 2023). Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes>. Acesso em: 06 out. 2024.

INE – Instituto Nacional de Estadística. Elecciones al Parlamento de Galicia de 19 de junio de 2005. Disponível em: <https://www.ine.es/jaxi/Datos.htm?path=/t44/p05/a2005/l0/&file=0306.px>. Acesso em: 06 out. 2024.

INE – Instituto Nacional de Estadística. Elecciones al Parlamento de Galicia de 12 de julio de 2020. Disponível em: <https://www.ine.es/jaxi/Datos.htm?tpx=37344>. Acesso em: 06 out. 2024.

INE – Instituto Nacional de Estadística. Elecciones al Parlamento de Galicia de 18 de febrero de 2024. Disponível em: <https://www.ine.es/jaxi/Datos.htm?tpx=67071>. Acesso em: 06 out. 2024.

PERES, Elena Pájaro. A imigração galega em São Paulo, 1946-1964. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Fapesp/ Imprensa Oficial do Estado, 2003.

PIÑON, Nélida. A República dos Sonhos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1984.

PUNZÓN, Carlos. Caos en el voto exterior: las sacas en votos para los gallegos de Venezuela no llegaron a salir de Barajas (15 jul. 2020). Disponível em: <https://www.lavozdegalicia.es/noticia/galicia/2020/07/14/sacas-votos-gallegos-venezuela-llegaron-salir-barajas/0003_202007G14P9991.htm>. Acesso em: 06 out. 2024.

SECRETARÍA XERAL DA EMIGRACIÓN DE LA XUNTA DE GALICIA (2009). Galicia, una comunidad que crece de la mano de la inmigración. Disponível em: <https://emigracion.xunta.gal/es/actualidad/reportaje/galicia-comunidad-crece-la-mano-la-inmigracion>. Acesso em: 06 out. 2024.

SECRETARÍA XERAL DA EMIGRACIÓN DE LA XUNTA DE GALICIA (2022). El número de emigrantes gallegas y gallegos disminuye en 2.349, mientras se incrementó el número de descendientes nacidas y nacidos en el exterior hasta sumar un total de 523.856. Disponível em: <https://emigracion.xunta.gal/es/actualidad/noticia/numero-emigrantes-gallegas-y-gallegos-disminuye-2349-mientras-se-incremento>. Acesso em: 06 out. 2024.

SILVA, Érica Sarmiento da. Galegos no Rio de Janeiro (1850-1970). 2006. 499 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Geografia e História, Universidade de Santiago de Compostela. Santiago de Compostela, 2006.

VARELLA, Drauzio. Nas ruas do Brás. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000.