Com a colaboraçao de Vinicius Fernandes, mestrando do programa de pós-graduação em Mudança Social e Participação Política (EACH/USP)

As eleições brasileiras (I). O contexto político prévio.

No domingo (07/10), após mais de um mês de propaganda eleitoral gratuita e obrigatória na rádio e na televisão, foram realizadas as eleições estaduais e federais na República Federativa do Brasil. De caráter obrigatório, o voto depositado nas urnas eletrônicas por brasileiros e brasileiras era composto portanto pela indicação de representantes para os poderes Legislativo e Executivo em nível federal e estadual (ou distrital) na seguinte ordem: deputado federal, deputado estadual/distrital, senador 1, senador 2, governador e presidente.

Liñas de investigación Observatorio Galego da Lusofonía
Apartados xeográficos Latinoamérica
Palabras chave Brasil galiza internacional
Idiomas Portugués

No domingo (07/10), após mais de um mês de propaganda eleitoral gratuita e obrigatória na rádio e na televisão, foram realizadas as eleições estaduais e federais na República Federativa do Brasil. De caráter obrigatório, o voto depositado nas urnas eletrônicas por brasileiros e brasileiras era composto portanto pela indicação de representantes para os poderes Legislativo e Executivo em nível federal e estadual (ou distrital) na seguinte ordem: deputado federal, deputado estadual/distrital, senador 1, senador 2, governador e presidente.

Uma vez em que o processo eleitoral no Brasil é completamente realizado por urnas eletrônicas, com o fim do horário de votação às 17h, no mesmo dia, um par de horas depois, já era possível acompanhar ao vivo os resultados parciais da apuração e assim  prever um já anunciado segundo turno entre o candidato de centro-esquerda Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT) e o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL). Cabe dizer que, reflexo da votação presidencial, o PSL, que contava com apenas com um representante na Câmara dos Deputados Federais (2014), elegeu 52 deputados, resultando na segunda maior bancada, posicionada apenas atrás da bancada petista que, pese o encolhimento de 69 para 56 deputados, segue sendo a maior da casa. 

O contexto de crise política das eleições do 7/10

Para uma melhor compreensão do quadro político brasileiro, é necessário recordar o árido clima democrático e econômico do país nos últimos anos. Nesse sentido, faz-se mester apontar o desgaste dos tradicionais partidos políticos, sobretudo, o PT e partidos da base aliada, com o avanço das investigações da operação "Lava Jato" e outras ações, mas também em razão do fraco desempenho econômico do Governo Dilma Rousseff. Foram numerosos os escândalos de corrupção noticiados pela imprensa, inclusive envolvendo o presidente em exercício Michel Temer do Movimento Democrática Brasileiro (MDB),  antigo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um dos principais articuladores do impeachment inconstitucional de Dilma Rousseff (PT) em conjunto com Eduardo Cunha (MDB/RJ), então presidente da Câmara dos Deputados Federais durante o processo de impeachment e atualmente preso e condenado a 24 anos por esquema de desvio na Caixa Econômica Federal, para além de outras acusações em trânsito. O MDB era também o partido de Sergio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, condenado a mais de cem anos de prisão por corrupção, formação de quadrilha, participação em grupo criminoso, entre outros.

Entretanto, o principal partido de oposição, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tampouco saiu imune, tendo afetada sua principal figura política nacional, o então senador Aécio Neves (PSDB/MG), eleito neste pleito como deputado federal, que esteve  envolvido em acusações de corrupção em sua campanha presidencial, inclusive, sendo vazado um áudio no qual negociava dois milhões de reais com a empresa JBS, calculando inclusive quem levaria o dinheiro: alguém que pudessem "matar" antes de delatar. Para além disso, o apoio nas chamadas pautas-bomba durante os últimos meses de governo Dilma visando sua ingovernabilidade e um correlato recrudescimento à direita já foram fatores considerados críticos e prejudiciais ao partido até mesmo por seu ex-presidente nacional, o político Tasso Jereissati (PSDB/CE), que em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo reconheceu os erros do partido ao apoiar o impeachment e por participar da base do governo de Michel Temer. Pesou também a desestabilização dos quadros tradicionais do partido a aparição de ​outsiders, sobretudo, o prefeito de São Paulo João Dória (PSDB/SP), eleito em expressivo primeiro turno em 2016 e atual candidato ao governo do Estado de São Paulo, que acaba de utilizar de apoiadores internos no partido para expulsar importantes quadros que fazem oposição interna, como o ex-governador do Estado de São Paulo Alberto Goldman. 

Não suficiente a crise política, a economia brasileira vem continuamente mostrando sinais de fraqueza, sem horizontes de retomada de crescimento. A taxa de desemprego aumentou desde 2014, passando de 4.8% a 12.6%, chegando a quase 13% em 2018, além dos chamados “nem-nem”, pessoas que não estudam e se cansaram de procurar emprego, somando mais alguns milhões sem perspectivas. O governo Temer foi incapaz de resolver essa situação mesmo com as políticas de austeridade aprovadas por sua base, como a Reforma Trabalhista, que retirou direitos afrouxando as responsabilidades das empresas e, a provação da Proposta da Emenda Constitucional (PEC) 95, congelando os gastos públicos em setores cruciais, como educação e saúde, pelos próximos 20 anos. Já no ano eleitoral, sua governabilidade foi altamente comprometida, não conseguindo aprovar a reforma da previdência, política de austeridade foco de seu governo. 

O governo Temer carregou boa parte do ônus pelo golpe em Dilma Rousseff, além de absorver parte do ônus pelas políticas de austeridade. Temer atingiu marcas recordes de reprovação de seu governo, chegando a mais de 80% como “ruím” ou péssimo”, somando ao índice de que mais de 90% dos brasileiros não confiam no presidente.

Nesse cenário, entendo que as condições eram propícias para um candidato ao executivo nacional que se apresentasse como a antítese desse sistema, ou seja, um ​outsider em contraposição à desgastada figura política, capaz de canalizar a insatisfação popular, sobretudo àquela relativa à corrupção, além de potencializar um sentimento antipetista difundido pelas redes sociais e pelos meios de comunicação. 

Entretanto, por outro lado, havia também a memória dos anos de crescimento econômico e social nos governos Lula (2003-2010), sintetizado pela capa da The Economist: "Brazil  takes off". É nesse sentido que Lula se declara candidato à presidência pelo PT e lidera as pesquisas eleitorais, sendo o único candidato a vencer todos os rivais em segundo turno. Com a condenação de Lula pelo TRF-4 e o esgotamento de recursos nessa esfera, o ex-presidente teve sua prisão decretada. Sem embargo, o PT apostou em todos os recursos legais possíveis para a manutenção de sua candidatura, sendo apenas no prazo máximo que a candidatura de Fernando Haddad foi oficializada, tendo como vice-candidata Manuela D'Ávila do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que desiste então de sua candidatura à presidência.

Nesse âmbito, por mais que determinados candidatos se apresentassem como uma terceira via, o centro político dessa situação dificilmente fugiria de uma polarização que tivesse  como critério de divisão os 14 anos do PT no governo federal. E como seria de se esperar, a discussão se centrou sobretudo em relação a valores sociais e morais, seara na qual o candidato Jair Bolsonaro reafirmou seu já histórico tom discursivo intolerante e em relação às minorias sociais e conservador, questionando inclusive a ditadura civil-militar e as práticas de tortura que existiram no país por mais de 20 anos (1964-88). Por outro lado, o candidato Fernando Haddad fortaleceu a chamada "narrativa do golpe", defendendo a inocência do presidente Lula, reafirmando a possibilidade de um pacto popular que pudesse reconduzir o país aos anos de desenvolvimento do governo Lula, proferindo fortes críticas ao sistema de delação e a atuação do Judiciário. Ambos candidatos, de modos diferentes, se utilizaram do passado como ferramenta discursiva. 

Obviamente, trata-se de uma drástica redução descritiva do contexto político e social brasileiro, deixando de lado importantes fatores como as manifestações de 2013 e a greve dos caminhoneiros de 2018, que paralisaram o país por dias, as polêmicas decisões do Judiciário e as próprias atividades dos principais candidatos nesse período. Sem embargo, essa descrição nos permite uma leitura um pouco mais crítica quanto ao período eleitoral e os resultados apurados.