Com a colaboraçao de Vinicius Fernandes, mestrando do programa de pós-graduação em Mudança Social e Participação Política (EACH/USP)

As eleições brasileiras (II). O período de campanha: táticas eleitorais, incoerências sistêmicas.

O período de pré-campanha e campanha foi marcado por um acirramento de ânimos e de disputas políticas internas e externas. Nesse sentido, foram inúmeras as especulações e negociações entre os chamados partidos do Centrão e as principais lideranças políticas. 

Liñas de investigación Observatorio Galego da Lusofonía
Apartados xeográficos Latinoamérica
Idiomas Portugués

O período de pré-campanha e campanha foi marcado por um acirramento de ânimos e de disputas políticas internas e externas. Nesse sentido, foram inúmeras as especulações e negociações entre os chamados partidos do Centrão e as principais lideranças políticas. 

Se Ciro Gomes, candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), no começo de sua pré-campanha chegou a afirmar querer governar sem o MDB como expressão máxima contrária ao fisiologismo, com o avanço das negociações e a possibilidade de acordos como o apoio no Nordeste de lideranças políticas do Partido Socialista Brasileira, seu discurso foi se remodelando. Aliás, sobre essa questão, cabe mencionar a desistência de candidatura do PT ao governo do Estado de Pernambuco, rifando a líder nas pesquisas Marília Arraes, tendo em vista o acordo com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) em Minas Gerais, e assim, impossibilitar o crescimento de Ciro Gomes no Nordeste. Acreditamos também que a controversa figura de Katia Abreu (PDT), vencedora do prêmio “Motosserra de Ouro” do Greenpeace pela importante contribuição no desmatamento da Amazônia, como vice-candidata prejudicou o seu discurso de mudança.

Marina Silva, candidata pela Rede Sustentabilidade (REDE), que chegou a aparecer nos primeiros lugares das pesquisas eleitorais durante a pré-campanha, sofreu forte queda nas intenções de voto com o passar dos dias de campanha - tendência que seria confirmada pelas urnas. Interessante apontar que seu discurso, assim como o de Henrique Meirelles (MDB), ex-presidente do Banco Central de Lula e ex-ministro da Fazenda de Temer, procurava criticar a polarização PT-PSDB ou PT-Bolsonaro, focando em questões programáticas e se propondo como figura mais capaz e/ou neutra para resolver o caos político e social brasileiro. Guilherme Boulos do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou a candidatura mais à esquerda, sem medo de reconhecer sua liderança no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e sua inconformação com a prisão de Lula. Cabo Daciolo do Patriota (PATRI) teve uma atuação risível nos debates, sendo alvo de piadas e descontração entre eleitores e candidatos, ainda que seu forte discurso religioso seja expressão de um brasil neopentecostal cada vez mais influente e conservador. Aliás, é preciso reconhecer que Meirelles gastou mais de 40 milhões de reais em sua campanha e obteve basicamente o mesmo resultado que Daciolo, que investiu menos de 1 mil reais em sua campanha.

Como afirmado, a estratégia do Partido dos Trabalhadores foi a manutenção da candidatura de Lula até ao que nós brasileiros chamamos de 48 do segundo tempo. A demora aconteceu pela disputa interna entre apoiadores de Lula, que mantinham esperança em sua candidatura e, apoiadores de Haddad, que insistiam na logo divulgação e promoção do candidato. Se foi uma estratégia consciente de transição de votos ou não, o resultado foi positivo, tendo como ápice de seu crescimento a entrevista no Jornal Nacional, programa de televisão tradicional e relevante para a formação de opinião do eleitor brasileiro. A transferência de votos de Lula foi completada e Haddad passou a figurar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de votos.

Candidato de apelo popular e com altas taxas de popularidade, o deputado federal Jair Bolsonaro era nome certo para a corrida presidencial. Nesse sentido, também foram numerosas as negociações, sobretudo, quando declarou saída do Partido Social Cristão (PSC), supostamente pela coligação em nível municipal com o PCdoB, contrário à ideologia defendida pelo candidato. O candidato acabou optando pelo PSL, coligando com o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB).

Geraldo Alckmin (PSDB), candidato com maior tempo de televisão, buscou rivalizar com Bolsonaro e com o PT, divulgando vídeos de cunho agressivo em relação aos dois lados, fomentando uma quase tese dos "dois demônios". Estacionado em 8 pontos, o candidato foi aumentando a agressividade em seus discursos e programas, sobretudo, tendo em vista os eleitores de Bolsonaro, já que muitos eram eleitores que usualmente votavam no PSDB.

Assim como os outros candidatos, Jair Bolsonaro também manteve uma forte agenda de visitas pelo país, além de participar de todas as sabatinas às quais foi convidado. Apesar do notório grau de desconhecimento de questões administrativas e econômicas do país, o candidato se saiu muito bem ao adotar respostas de tipo simples e de apelo popular, ironizando seus entrevistadores, até mesmo lançando mão de certas provocações, como foi o caso da entrevista no Jornal Nacional, quando ironizou o jornalista Bonner em relação ao término de seu casamento com a jornalista Fátima Bernardes como exemplo para explicar sua constante troca de partidos.

Se as pesquisas de intenção de voto mostravam certa estabilidade ou até mesmo ligeira queda de Bolsonaro, a tentativa de homicídio sofrida pelo candidato em Minas Gerais desacelerou esse possível declínio e alterou o campo de possibilidades da disputa política, sendo notória uma diminuição nas críticas de seus adversários ao candidato convalescente, que foram retomadas apenas nos últimos debates, quando o candidato deu entrevistas a emissoras e fez "lives" no Facebook, mas não participou dos debates por "orientação médica".

Também foram muitas as divergências entre Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e o candidato à vice-presidência General Mourão. Chamou atenção também a fala de Bolsonaro em entrevista televisiva onde afirmou não reconhecer nenhum resultado eleitoral diferente de sua eleição. Discordâncias entre os políticos e as declarações polêmicas de Mourão quanto ao papel das forças armadas em relação à Constituição foram somadas aos já conhecidos casos de falas racistas, xenofóbicas, machistas e homofóbicos do candidato de extrema-direita.

Nesse sentido, um dos principais momentos da campanha foi a organização pelas mulheres das manifestações que ficaram conhecidas pelo slogan "Ele Não" e pela hashtag #elenao. De caráter suprapartidário, milhões de brasileiras saíram às ruas contra a candidatura de Bolsonaro. O ato teria sua resposta no dia seguinte com as mais tímidas, porém presentes manifestações do "Ele Sim".

Dos candidatos que não participaram do debate, cabe destacar um forte ativismo digital desempenhado pelo Partido Novo, que teve na figura do milionário João Amôedo (NOVO) a liderança de um projeto de renovação política focada em valores anti-estado e neoliberais, embora suas pautas sociais não acompanhem o liberalismo defendido pelo partido na esfera econômica.

Em linhas gerais, cabe destacar um forte protagonismo das redes sociais nesse processo, sendo espantosa a quantidade de fake news divulgadas e compartilhadas, assemelhando a disputa eleitoral entre Donald Trump e Hilary Clinton nos Estados Unidos. Espelho desse ativismo digital foram as eleições para o Legislativo de figuras do mundo político digital como Kim Kataguiri do polêmico Movimento Brasil Livre (MBL), envolvido em casos comprovados de compartilhamento de fake news.