O artigo fai parte do Informe Nós No Mundo 2023-2024 "Conectar á Diáspora á Acción Exterior de Galicia"
Nós no Mundo 2024

Os Lisboanos na agenda galega em/para Portugal

Parece ponto assente na Galiza o potencial relacional das históricas redes que os galegos e as galegas foram construindo ao longo dos séculos nos quatro cantos do mundo. Com efeito, as redes de variado tipo que o fenómeno migratório galego teceu em diferentes territórios pelo mundo fora funcionaram, no seu momento e também agora, como plataforma propícia para promoção de intercâmbios sociais, económicos e até simbólicos para a Galiza atual.

Num momento em que a Estratexia Galega de Acción Exterior parece ganhar forma, convém considerar o contributo central dos capitais de diferente signo associados à emigração galega. Neste quadro, acreditamos na relevância e potencial do legado vinculado à longa emigração galega a Portugal.

Apesar da escassa visibilidade (surpreendente nalguns casos, diga-se de passagem) em meios académicos e outros, se comparada com o que sabemos e pensamos acerca da emigração com destino ao continente americano, a emigração galega com destino a Portugal constituiu um fenómeno de origem temporal longínqua, acelerado em todo o caso a partir do século XVIII e vigente até meados do século XX. Com destaque para a cidade do Porto ou as encostas do Douro e especialmente para Lisboa, foram muitos os galegos (tratou-se fundamentalmente de um fenómeno masculino) que, com lógicas pendulares ou fixando-se na terra de destino, rumaram a Portugal na procura de oportunidades laborais (também, cabe ter presente, como destino para o exílio).

Lisboanos de Lisboa

que vindes fazer ao eido?

Vindes enganá-las moças

coa sona do dinheiro.

Como indicia esta cantiga (recolhida por Wiktoria Grygierzec e Xesús Ferro) no sul da Galiza, em Caritel concretamente, a comunidade galega de Lisboa, nutrida de várias dezenas de milhares de indivíduos, experimentou entre finais do século XIX e princípios do século XX uma notável complexificação qualitativa em que emergem os tais Lisboanos, galegos de posição profissional e económica avantajada: professores, proprietários, donos e sócios de fábricas e outras iniciativas comerciais. Muitos destes galegos abastados trabalham na hotelaria, sendo proprietários de emblemáticos cafés e restaurantes, como o Hotel Francfort, o Café Suiço, o Irmãos Unidos da família Guisado, os restaurantes Estrela d’Ouro, Estrela da Sé, Gambrinus, etc. Paralelamente a esta ascensão económica e social de uma parte significativa da comunidade galega em Lisboa, surge uma série de iniciativas que, pouco e pouco, constroem um património simbólico e cultural na capital portuguesa (a Lisboa galega, poderíamos dizer) que chega de alguma forma até o nosso presente. Destaca-se o início do lançamento de uma longa série de publicações periódicas (El Gallego, 1881, seria a primeira) e a criação de organizações que com diferentes objetivos congregavam os membros da colónia (a mais importante e ainda ativa, Juventud de Galicia, de 1908). Além de contribuir à coesão interna da própria comunidade galega, as associações e publicações periódicas estavam ao serviço dos interesses dos Lisboanos (com o passar do tempo, mais focados em somar ao capital económico outros capitais) e, em geral, de todos os emigrantes galegos em Portugal.

A partir deste quadro aqui rápida e sinteticamente descrito, entendemos que a agenda galega para Portugal, em termos de diplomacia cultural particularmente, tem no legado poliédrico da emigração em terras lusas um conjunto estimável de bens disponíveis para a sua ativação em diferentes direções. A modo de exemplo: no caso de a Galiza pretender ter uma representação estável na capital da República vizinha, a atual Xuventude de Galicia – Centro Galego de Lisboa (fundado, como dizíamos, em 1908) conta com um magnífico palacete (doação de uma conhecido Lisboano, Manuel Cordo Boullosa) que poderia acolher, havendo confluência de vontades e objetivos, a desejável Casa da Galiza em Portugal. Isto, naturalmente, sem descurar a presença no Norte, necessitada de um maior impulso no caso da cidade do Porto. Por outro lado, será sempre bom ter presente as notáveis relações económicas que, a partir da entrada dos dois estados peninsulares na União Europeia, apresentam uma clara tendência de maiúsculo crescimento, em certa medida singular no quadro ibérico.

Se a tal agenda exterior da Galiza priorizar Portugal (e o espaço abrangido pela denominada Lusofonia), tem ao seu dispor um conjunto alargado de bens e ferramentas – capitais, doutra perspetiva – que passam, como é sabido pelos históricos vínculos do país com o seu sul histórica e culturalmente natural (de alguma forma consignados na Lei Valentim Paz Andrade). Tem ademais, defendemos aqui, um outro espaço de atuação no fenómeno histórico (ainda parcialmente vivo) da emigração com destino em Portugal (também na direção inversa, i.e. emigração portuguesa com destino à Galiza), em Lisboa nomeadamente, disponível para a sua ativação em termos de diplomacia cultural; por outras palavras, a Galiza já conta com uma Tradição de seu, não excêntrica, em Portugal, útil para as ações de projeção a sul que se considerarem. E, a modo de reflexão final e alerta, acrescento: (i) contra certa tendência atual, o nosso sul não deveria acabar no rio Douro ou no Mondego; (ii) apesar dos ingentes capitais em direção meridional, com Portugal (e a tal Lusofonia), vamos chegando tarde mas talvez ainda a tempo de pensar, planificar, atuar e avaliar; e (iii) a tal planificação poderá, como aqui se propõe, focar-se menos em vieiras jacobeias e mais em iscas à galega…

Coda: em 2025 os três Centros de Estudos Galegos das universidades portuguesas (Universidade do Minho, Universidade Nova de Lisboa e Universidade do Algarve), em parceria com um projeto de investigação liderado por investigadores da Faculdade de História da Universidade de Santiago de Compostela, pretendemos de alguma forma revisitar a Lisboa galega num evento académico e cultural a realizar na capital portuguesa.

O artigo fai parte do Informe Nós No Mundo 2023-2024 “Conectar á Diáspora á Acción Exterior de Galicia”