“A China tem vindo gradualmente a prestar maior atenção ao problema dos direitos humanos”
Entrevista a José Manuel Villas-Boas, profesor y diplomático portugués, ex embajador en Beijing, autor de unas Memorias que constituyen toda una invocación de una época. Hoy radicado en las proximidades de la frontera con Galicia, en esta sitúa su primer lugar cosmopolita. Acompañante de los acontecimientos mundiales, Villas-Boas, que imparte docencia en la Universidade do Minho, acredita una dilatada carrera diplomática, reveladora de una personalidad clave en algunos momentos de la historia portuguesa más reciente.
OPCh: Días depois de conmemorar o vinte aniversario do acontecido em Tian An Men, qual é o seu balanço da evolução da China en matéria de dereitos humanos?
Penso que a China tem vindo gradualmente a prestar maior atenção ao problema dos direitos humanos. O Governo chinês compreendeu que era importante concentrar-se num tema que minava as relações da RPC com o Ocidente, embora os “standards” da prestação chinesa em matéria de direitos humanos seja ainda muito inferior aos da Europa e Estados Unidos.
Trata-se igualmente de um problema a que não podem estar alheios os milenários usos e tradições chineses, que muitas vezes colidem com o respeito pelos direitos humanos e cuja alteração é demorada e difícil para a mentalidade do povo chinês.
Todavia vejo uma evolução sensível neste campo, se tomarmos como ponto de partida os acontecimentos de Tian An Men, que chamaram clamorosamente a atenção do mundo para o desrespeito ou ignorância dos direitos humanos por parte das autoridades e do povo da RPC em 1989.
OPCh: Acha que a asunçao dos dereitos humanos é só um problema de evolução ou também de concepção?
Este segundo quesito está intimamente ligado ao primeiro. Eu creio que é uma questão de evolução, mas que simultaneamente tem o seu fundamento em problemas de concepção de vida.
A China, com o seu conhecido pragmatismo, compreendeu que não podia ignorar a questão dos direitos humanos sem grave risco para o seu relacionamento internacional. Mas a permeabilidade das noções de direitos humanos na China será sempre lenta e ao arrepio de concepções fortemente enraizadas na consciência colectiva do povo. Penso porem, ao mesmo tempo, que a evolução no sentido de um cada vez maior respeito pelos direitos humanos é irreversível e destinada a mudar, se bem que devagar, aquelas antigas concepções da civilização chinesa que se opõem frontalmente à defesa dos direitos humanos.
OPCh: Como valora esa reiterada alusão por parte do PCCh a conceptos confucianos? Considera que afasta ou não do ideal democrático?
A resposta a esta pergunta é complexa. Recordo que numa conversa que tive quando era Embaixador de Portugal em Pequim com o então Presidente da RPC Jiang Zemin, este sublinhou, mais de uma vez, que a Republica Popular da China era um país de moral e cultura confucianas.
Compulsando os “Analectos”, recolha de princípios e pensamentos do próprio Confúcio realizada pelos seus discípulos, não ressaltam contradições insanáveis com os princípios democráticos modernos. É certo que a moral defendida por Confúcio se insere num contexto histórico anterior a Sócrates e este ponto deve ser tomado em consideração. É também reconhecido pelos autores que alguns dos ensinamentos de Confúcio são ambíguos e outros de difícil compreensão, devido talvez a interpolações ou erros de copistas através dos séculos. Todavia resulta claro que o conceito básico do confucionismo é o bem estar do “povo comum”, que deverá ser o objectivo último dos governos. A promoção de tal “bem estar” começa, segundo os Analectos, com a satisfação das respectivas necessidades materiais. Também referências feitas por Confúcio ao “homem sem importância”, por oposição aos homens das elites, realçam a “virtude e bondade” daquele, bem como a necessidade de verem garantidos os seus direitos.
Em suma : não creio que o imobilismo político chinês seja estrutural, mas sim que o povo da RPC estará a “acordar” para uma nova era económica e política, em que as
populações –urbanas ou rurais- terão uma palavra definitiva a dizer.
OPCh: A asimetria entre as importantes transformações sociais que a China registrou nas ultimas décadas e o inmobilismo político é quase un tópico, mas poderia ser estrutural? Quer dizer, só cabe contemplar uma democratizaçao impulsionada e controlada dende o próprio poder?
Penso que no bastião do imobilismo clássico da China – o Império do Meio (do Universo) – começam a aparecer algumas fendas. Embora as tradições imponham regras, estas não são imutáveis para todo o sempre. É certo que o imobilismo político tem caracterizado a civilização chinesa. Mas as autoridades da RPC já se deram conta de que tal imobilismo, estrutural ou não, tem que evoluir se a China quizer fazer parte das grandes nações universais. De tal são prova as exigências sociais e políticas (embora ainda a nível local ou autárquico) traduzidas nas manifestações, sobretudo nos meios rurais, de forte crítica ao governo central.
Tudo está ainda na fase dos indícios e as generalizações são perigosas no que respeita à RPC, não só devido à dicotomia China urbana e China rural, mas também às especificidades resultantes de um país imennso e multifacetado.
Entretanto julgo que continuaremos a observar uma “democratização” definida e balizada pelo governo de Pequim, que procurará refrear uma outra democratização de cariz natural e popular. Mas é esta luta entre a tradição e a modernização que servirá de motor à transformação da China numa grande potência.
OPCh: A aproximação entre o continente e a ilha de Taiwan avança dia a dia no económico e mesmo en matéria de seguridade, pero cabe aguardar tambén aproximação no politico? Pode a unificação fazer um contributo à democratização da China continental?
O ponto crítico nas relações entre a RPC e Taiwan reside, como se sabe, no plano político. Embora nos outros sectores – económico e de segurança, e até cultural – a aproximação tenha avançado, é no campo político que a barreira não tem baixado. A velha máxima de Deng Xiao Ping, repetida à exaustão à boa tradição budista, de “um país,dois sistemas” não passou de um artifício, metendo dentro do mesmo saco os problemas de Hong Kong, Macau e Taiwan. Ora este último pouco tem que ver com os dois primeiros, para alem de uma semelhança aparente. Resolvidos a contento da China os casos de Hong Kong e Macau, ficou isolada a questão de Taiwan, sobre ela incidindo toda a atenção da RPC.
No estado actual das coisas não vejo que a unificaçaõ RPC-Taiwan esteja mais próxima do que no passado, salvo se for encontrada uma solução hábil que leve a China a não “perder a face” e não deixe de previlegiar os aspectos económico e de segurança. Todavia parece-me ainda cedo para que este passo seja dado, já que por detrás do governo de Taipé aparece sempre a mão dos Estados Unidos.
Quanto à influência de uma eventual unificação na democratização da RPC, creio que ela poderá trazer um contributo de relevo, como aliás não foram destituídas de importância as transferências da soberania de Hong Kong e Macau, sobretudo a primeira, ambas com o seu período estabelecido na lei de manutenção do sistema capitalista.
OPCh: Que opinião lhe merece o comportamento da China na actual crise económica global?
A crise económica global, embora com repercussões bastante negativas na China, serviu para ajudar o governo de Pequim a afirmar a sua solidariedade com os países da União Europeia e com os Estados Unidos, apesar das repetidas chamadas de alerta da RPC para o grave risco resultante da adopção de medidas proteccionistas que vê perfilar-se no horizonte.
Verificou-se assim uma aproximação ao mundo democrático ao clamar como trabalho mais urgente a necessidade de democratizar as relações económicas, com que as nações agora se deparam. Escrevendo no “Herald Tribune” de Nova Iorque,o Vice-Presidente do Conselho de Estado chinês,Wang Qichan, afirma peremptoriamente que é necessário restaurar com brevidade o crescimento económico global. Acrescentando que é preocupante notar o aparecimento do proteccionismo nas relações comerciais, tornando ainda mais graves as perspectivas de uma já fragil economia global.
Assim a opinião expressa da posição chinesa na materia é a de que a China deverá tomar com a UE e outros países democráticos uma atitude responsável, demonstrando claramente a oposição a quaisquer medidas proteccionistas no comércio mundial. Será preciso evitar a todo o custo os erros cometidos em 1930.
A RPC diz-se firme defensora da reforma e abertura das relações comerciais e chama a atenção para o facto de que, desde a acessão da China à OMC, o mundo chinês se tornou muito mais aberto e o seu respectivo funcionamento altamente liberalizado. A China defende como princípio e único caminho para a prosperidade económica global a liberalização do comércio.
OPCh: Que diagnóstico faría das relações entre Portugal e a China?
As relações diplomáticas de Portugal com a China são excelentes, podendo considerar-se como positivo o relacionamento entre os governos de Lisboa e Pequim. Para a consolidação deste relacionamento muito contribuiu a prolongada fase de conversações bilaterais, bem sucedidas,acerca de Macau e da transferência da soberania deste território para a RPC, onde passou a constituir uma Região Administrativa Especial, a partir de Dezembro de 1999.
Por outro lado,as relações de Portugal com a China sob os pontos de vista cultural e histórico, são pluriseculares, tendo sido iniciadas nos princípios do Século XVI com a chegada do navegador Jorge Álvares ao delta do Rio das Pérolas, nas proximidades da área onde mais tarde surgiu Macau, na província de Guandong.
Se considerarmos as potencialidades que a China actual oferecerá a Portugal no que respeita a relações a nível económico e comercial, elas são muito grandes, pelo que a RPC deverá constar entre as prioridades da política externa portuguesa.Temos que reconhecer que o relacionamento de Portugal com a China nos aspectos político, cultural e científico é satisfatório, mas que a nível económco e comercial está ainda muito aquém do que seria desejável.Esta situação tem que ser urgentemente revista, pois com a acessão da RPC à OMC surgem novas oportunidades, como por exemplo nos sectores da construção e das telecomunicações. Foi aliás criado o instrumento de estudo e concretização da cooperação económica entre os dois países, isto é o a Comissão Mista Luso-Chinesa ,no âmbito do Acordo de Cooperação Económica, Industrial e Técnica.
José Manuel Villas-Boas, profesor y diplomático portugués, ex embajador en Beijing