20070102 brasilia ivan ramalho

Os desafios do mundo sino-lusófono em tempos de crise

 Ivan Ramalho; clic para aumentar
O secretário executivo do MIDIC, Ivan Ramalho (no quadro), sinalizou em 2007 que o Brasil estuda, a pedido do governo chinês, a possibilidade de regulamentar o status de mercado de alguns setores chineses que exportam para o mercado brasileiro. Tudo indica, entretanto, que não há clima para o governo brasileiro concluir definitivamente este tema num curto prazo de tempo. (Foto: ©Roosewelt Pinheiro/ABr).
 

O comércio entre a China e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ““formada por Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Tímor Leste e São Tomé e Príncipe”“, superou as estimativas mais otimistas nos primeiros sete meses de 2008. Conforme os dados divulgados pelo Ministério do Comércio da China (MOFCOM, na sigla em inglês), o comércio bilateral movimentou US$ 43,93 bilhões entre janeiro e julho deste ano, com um avanço de 88,7% na comparação com o mesmo período de 2007.

Todavia, o resultado ““que amplia as esperanças em torno do aprofundamento das trocas comerciais e das cooperações em áreas como a segurança alimentar, energética, tecnológica e cultural no mundo sino-lusófono”“, merece ser comemorado com cautela: Brasil e Angola responderam por aproximadamente 93% do comércio entre a China e a CPLP (que exclui São Tomé e Príncipe, em virtude de seu apoio a Taiwan).

Ao mesmo tempo, o fantasma da recessão (amplificado pelo credit crunch internacional) que ronda a economia global deverá minar o expressivo avanço deste fluxo comercial, capitaneado pelo apetite insaciável do gigante asiático por commodities. Mais: o aumento do déficit brasileiro e a redução do superávit angolano em suas respectivas trocas comerciais com os chineses (provocados pelas possíveis retrações de demanda e das cotações internacionais das matérias-primas), bem como a anunciada intenção de Pequim de arrendar terras angolanas e moçambicanas para cultivo agrícola, podem gerar momentos desconfortáveis para as relações comerciais e políticas sino-lusófonas em 2009.

Os Estados Unidos vivem sua pior crise financeira desde o crash de 1929. A desaceleração já atinge as economias mais maduras do planeta. A orgulhosa França reconheceu que já enfrenta uma recessão econômica. A perspectiva de uma “morna expansão econômica japonesa” neste ano virou fumaça. E, neste momento, os investidores começam a se perguntar como a China responderá economicamente e politicamente à crise financeira mundial. Logo, o valor de onze entre cada dez papéis negociados no mundo está exposto aos abruptos movimentos de sobe e desce que tomam conta das bolsas de valores. E as cotações das commodities seguem despencando de Nova Iorque a Londres, passando por Tóquio.

Enquanto isso se passa – e os investidores recebem com muita cautela a aprovação pelos deputados norte-americanos do pacote de ajuda do Tesouro dos Estados Unidos de US$ 700 bilhões ao sistema financeiro -, resta uma certeza em torno da “economia real”: ainda que a China resista e mantenha um forte ritmo de crescimento econômico (estimado em 9,5% neste ano e 8,5% em 2009), abrandando assim a desaceleração da economia global, o seu mercado interno é insuficiente para contrabalançar concomitantemente o papel desempenhado pelos mercados norte-americano, europeu e japonês no cenário internacional.

Para os pessimistas (ou realistas) de plantão, a quebra de algumas das mais importantes instituições financeiras norte-americanas e a falta de confiança nos negócios trará ainda outras imprevisíveis conseqüências negativas para a economia mundial. Mas eles também se perguntam: “Que recessão mundial estaria consumada nos dias de hoje sem a presença de fortes pressões internacionais contra os constantes e gigantescos superávits da China, a subvalorização artificial do yuan, dos reclamos por uma maior abertura de seu mercado consumidor e de serviços para reequilibrar o comércio internacional e, mesmo, de surtos protecionistas contra os produtos chineses?”.

Neste cenário, baixada a poeira criada pela depravação conjuntural que assola os mercados acionários, a recessão mundial ganhará outros contornos. Ela se tornará mais evidente aos cofres e aos olhos das lideranças políticas e da opinião pública dos países que se beneficiaram ““direta ou indiretamente”“ das importações recordes em todos os tempos em matéria de preços e de volumes de commodities pelo mercado chinês nos últimos anos. Uma eventual recessão, sobretudo, se tornaria mais concreta para os governos dos países fornecedores de matérias ““primas que vêm acumulando freqüentes déficits na importação de bens ou serviços no comércio com a China.

O caso do Brasil é emblemático, pois é o membro da CPLP que mais externa sua gradual inquietação com a vertiginosa queda de seu superávit comercial com o mundo e, em especial, com a China. Conforme os analistas, o saldo da balança comercial brasileira deverá oscilar ao redor de US$ 23,7 bilhões neste ano, ante os significativos superávits de US$ 40 bilhões (2007) e de US$ 46,4 bilhões (2006). De acordo com a imprensa especializada no segmento de commodities, o superávit brasileiro poderá recuar para a casa dos US$ 5 bilhões em 2009, caso as cotações das matérias – primas mantenham sua atual trajetória de queda.

O fato de as importações brasileiras estarem sendo puxadas pela forte apreciação do real em relação ao dólar (tendência que vem perdendo fôlego) e o bom desempenho da economia nacional nos últimos anos ““ com uma projeção oficial de crescimento econômico ao redor de 5% em 2008 ““ não pode ser questionado. Menos inquestionável ainda é o fato de a abusiva carga tributária ““ ao redor de absurdos 40% – e a precária infra-estrutura brasileira emperrarem o aumento da competitividade e das exportações dos produtos industriais nacionais. Por fim, é oportuno que se note, as importações de produtos de maior valor agregado chineses acabam desempenhando um importante papel na confecção de produtos brasileiros posteriormente colocados em outros mercados, particularmente nos Estados Unidos e na Europa.

Também é bom lembrar que o mercado brasileiro lidera as importações de produtos e serviços chineses na América Latina, ao mesmo tempo em que a China é o segundo parceiro comercial do Brasil, atrás dos Estados Unidos. Além disso, o Brasil é o maior parceiro da China entre os países lusófonos. Sem embargo, a corrente comercial com o Brasil representou aproximadamente 2% do comércio exterior da China, estimado em US$ 1,72 trilhão nos primeiros oito meses de 2008.

Porém, em tempos de crise, podemos traduzir a importância (e alguns desconfortos) da China para o Brasil de outra forma: as exportações brasileiras para o mercado chinês dispararam 465% entre 2001 e 2007, puxadas pela expansão média anual de 9,8% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês na última década. Apesar do robusto crescimento dos embarques ao longo deste período, o Brasil registrou um déficit de US$ 1,54 bilhão na balança comercial com a China no primeiro semestre deste ano, resultado 420,3% menor frente a idêntico período de 2007.

Neste sentido, é importante ressaltar que o superávit do Brasil na corrente comercial com a China chegou a US$ 2,38 bilhões em 2003. Em 2007, o saldo já havia mudado pesadamente de lado: os chineses registraram um superávit de US$ 1,9 bilhão, segundo o MIDIC.

Mas a diversificação da pauta de exportações brasileiras para o mercado chinês, reivindicação martelada há anos por Brasília em suas freqüentes escaramuças com Pequim para manter o equilíbrio de suas relações comerciais, parece longe de se concretizar. Apesar dos esforços oficiais, as exportações tupiniquins para o mercado chinês seguiram marcadas pela concentração em produtos básicos como minério de ferro e complexo de soja (75,8%) entre janeiro e julho deste ano, ao mesmo tempo em que estes produtos representaram 24,2% das vendas para os Estados Unidos.

Muito embora Brasília reconheça publicamente a importância do contrato de US$ 2,7 bilhões para a entrega de 100 jatos regionais da Embraer (a gigante brasileira da aviação regional mundial) nos próximos dois anos para tentar equilibrar a balança comercial com os chineses, as aquisições não aplacaram a necessidade brasileira de enriquecer ainda mais a qualidade da pauta de suas exportações para a China.

Também pudera. A venda dos aviões (50 unidades EMB ““ 190 produzidas no Brasil e 50 unidades ERJ 145 produzidas na China) não é suficiente para contrabalançar o volume de negócios entre os dois países. Na avaliação das autoridades brasileiras, somente a ampliação da liberação das importações de produtos dotados de um potencial de rápido crescimento (carnes, por exemplo) poderá cumprir este papel.

As relações comerciais e políticas sino-brasileiras sofrem ainda com outros hiatos. Em maio de 2004, às vésperas de sua primeira visita oficial à China, o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, embalado pela gradual recuperação da economia nacional e pelas altas taxas de popularidade desfrutadas tanto em solo pátrio quanto no exterior, declarou que “o Brasil e a China mudariam o mapa geoeconômico mundial”. Meses depois, ao recepcionar o presidente chinês Hu Jintao em Brasília, ele voltaria a destacar que os dois países estavam “construindo uma nova geografia comercial, política e cultural”.

Em 2005, entretanto, o clima entre os dois países havia mudado radicalmente. A lista de reclamações do Brasil contra a China era extensa e destacava a falta de investimentos chineses na infra-estrutura brasileira e a postergação da abertura do mercado de carnes. Mencionava também o recuo chinês no apoio que seria concedido ao Brasil para obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ““ o principal objetivo do governo Lula no cenário político internacional.

Os chineses, por outro lado, alegavam que jamais tinham se comprometido com a realização de pesados investimentos na infra-estrutura brasileira. Eles lembravam ainda que apenas “apoiariam a elevação da participação do Brasil nos assuntos da ONU”.

A desculpa oficial apresentada pela China ““ a de que na qualidade de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (ao lado dos Estados Unidos, Inglaterra, França e Rússia) exerceu o seu direito de veto apenas contra a concessão de uma vaga permanente ao Japão no cobiçado órgão e não contra as “legitimas pretensões do Brasil, Índia e da Alemanha” -, nunca foi levada a sério nos corredores do Itamaraty. E gerou, sim, um mal- estar diplomático entre os dois países que até hoje não foi completamente digerido em Brasília.

Por outro lado, a lacuna que mais preocupa as autoridades chinesas é o fato de o Brasil preterir a regulamentação do status de economia de mercado de seu país desde a visita que Hu realizou ao Brasil. De fato, tanto a iniciativa dos chineses (a de insistir no reconhecimento de economia de mercado) quanto a do governo brasileiro (a de reconhecê-la como tal) se revelaram politicamente precipitadas frente à realidade econômica e política brasileira.

A indústria brasileira reagiu duramente à tentativa de acordo entre os dois governos ““ já que a iniciativa obrigaria o governo brasileiro a implantar novos procedimentos para a abertura de processos antidumping ou para a aplicação das salvaguardas específicas contra os produtos chineses que constam dos termos de acesso da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) ““, dificultando assim a defesa de importantes segmentos produtivos do Brasil.

O secretário executivo do MIDIC, Ivan Ramalho, sinalizou em 2007 que o Brasil estuda, a pedido do governo chinês, a possibilidade de regulamentar o status de mercado de alguns setores chineses que exportam para o mercado brasileiro. Tudo indica, entretanto, que não há clima para o governo brasileiro concluir definitivamente este tema num curto prazo de tempo.

Mais: enquanto o governo Lula sonha em explorar o opulento potencial das reservas de petróleo da camada do pré-sal no litoral brasileiro ““ que transformarão o Brasil num dos maiores exportadores mundiais de petróleo e de seus derivados na próxima década, seus assessores temem que o crescimento do saldo comercial da China gere “graves pressões protecionistas contra a invasão de produtos chineses”.

Não por acaso. A indústria brasileira está convicta que os empresários chineses tentarão compensar a queda das vendas para os Estados Unidos e Europa com a ampliação de suas exportações para os mercados latino-americano e africano. O mesmo sentimento toma conta da Casa Rosada, na Argentina. Por isso, os dois governos já admitem publicamente a hipótese de sobretaxar e de empregar salvaguardas não específicas contra os produtos chineses para coibir prováveis danos aos seus respectivos mercados.

Mas o Conselho Monetário Nacional ““ órgão subordinado ao Banco Central do Brasil – aprovou na semana passada o início das operações do Banco da China (BOC, na sigla em inglês) em todo o território nacional. Segundo as projeções do BOC, a instituição poderá viabilizar US$ 10 bilhões em investimentos de empresas chinesas no mercado brasileiro nos próximos anos. O atual estoque de investimentos da China e do Brasil um no outro é insignificante. A iniciativa chinesa ““ dependendo do volume de recursos efetivamente concretizados – pode amenizar o clima de tensão que rondará as relações comerciais entre os dois países em 2009.

Também é bom ficar de olho no rumo das negociações entre a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o maior conglomerado privado brasileiro, e as siderúrgicas chinesas ““ sabidamente influenciadas pelo governo chinês, pouco afeito às regras de mercado quando não lhe são convenientes.

A China ““ a mais importante produtora mundial de aço e a maior importadora global de minério de ferro ““ sonha com a possibilidade de as suas empresas siderúrgicas assumirem o carteado da disputa que travam anualmente contra as principais fornecedoras mundiais para a fixação dos preços internacionais da commodity. Está na mídia oficial. Está na garganta dos políticos e da opinião pública chinesa desde 2005 ““ ano em que a CVRD obteve um reajuste de 71% nos preços do produto. E o mercado ainda não se esqueceu que o governo chinês atuou descaradamente em favor de seu segmento na oportunidade, ao sinalizar que impediria suas empresas de arcarem com o aumento.

Obviamente que as exportações da CVRD pesam decisivamente no balanço da corrente comercial sino-brasileira e nos bolsos de milhões de brasileiros que investem em suas ações. Ocorre que os chineses estão plantando como nunca notícias na imprensa local acerca da “recusa de um novo aumento dos preços” ou em torno da “premedita suspensão dos embarques brasileiros de minério de ferro, destinada a forçar o aumento de seus preços”, com claras repercussões no comportamento das ações mineradora na Bovespa, a principal bolsa de valores do Brasil.

Por enquanto, as exportações da CVRD seguem firmes para a China. Como de hábito nos últimos tempos, a aparente determinação do segmento siderúrgico chinês de resistir a uma nova elevação do valor do minério de fero de Carajás neste ano, estimado em 11%, não deve se confirmar. Sem dúvida, trata-se de uma boa notícia para a empresa que viu o seu valor de mercado despencar mais de US$ 60 bilhões nestes últimos meses. Melhor ainda para evitar a ampliação do déficit comercial do Brasil frente à China.

Mas… O que ocorrerá durante as negociações para a fixação dos preços internacionais do minério de ferro em 2009? Muito embora as regras de mercado devam ser respeitadas mesmo que impliquem na queda dos preços das commodities em função da redução da demanda mundial pelo produto, quais seriam os seus reflexos econômicos e políticos sobre o comércio entre os dois países?

O suposto aumento do déficit comercial brasileiro com os chineses pode, sem dúvida, amplificar o coro político e econômico em prol da aplicação das salvaguardas específicas contra as importações de determinados produtos da terceira economia mundial. O ônus desta (plausível) batalha política doméstica (onde a racionalidade geralmente não tem vez) pode cair no colo do Palácio do Planalto, sempre atento aos índices de popularidade do presidente Lula ““, às vésperas da corrida sucessória presidencial em 2010.

O relacionamento comercial sino-angolano também deixará de ser tão confortável em 2009. A economia de Angola – a segunda fornecedora mundial de petróleo da China no ano passado, atrás da Arábia Saudita ““, sentirá a retração dos preços das commodities. Dona de explosivas taxas de crescimento econômico – agora também fortemente assediada pelo Japão e pela Índia -, consolidou-se como um dos mais importantes mercados de exportação de bens e serviços portugueses.

Ao mesmo tempo, Angola é um rentável mercado de serviços para chineses e brasileiros e um indispensável destino para seus respectivos produtos de menor valor agregado ou de média intensidade tecnológica. Com isso, a presença hegemônica dos produtos portugueses no mercado angolano vem sendo seriamente ameaçada pelo crescente desembarque de produtos chineses, brasileiros e sul-africanos.

Ou seja: De uma forma ou de outra, os países da CPLP sentirão os reflexos de um eventual recuo do superávit angolano no comércio com a China. Segundo o MOFCOM, o comércio sino-angolano movimentou US$ 13,3 bilhões entre janeiro e junho deste ano, com uma alta de 137% na comparação com o mesmo período de 2007. Durante este intervalo, as vendas chinesas para o mercado angolano totalizaram US$ 1,17 bilhão, resultado 130,3% maior frente a idêntico período do ano passado. As importações, por outro lado, subiram 137,8%, para US$ 12,1 bilhões.

Além disso, o China Eximbank abriu uma linha de crédito avaliada em US$ 4 bilhões para o financiamento de obras de infra-estrutura executadas por empreiteiras chinesas em solo angolano. Conforme a imprensa angolana, os financiamentos concedidos pelos chineses para a reconstrução da infra-estrutura nacional deverá atingir um montante acumulado de US$ 11 bilhões até o final de 2008. Entretanto, os empréstimos são tidos como pouco transparentes e propícios ao rápido endividamento do país pela oposição angolana e por importantes órgãos financeiros internacionais.

A queda das cotações internacionais do petróleo ““ diretamente vinculados aos níveis de consumo nos Estados Unidos, China e Japão -, e a eventual redução do superávit angolano poderá, por exemplo, alicerçar o terreno necessário para a oposição voltar a combater a presença de trabalhadores e comerciantes chineses no país (puxada pela exportação de serviços da China, especialmente no segmento da construção civil). O pretexto recairia, novamente, sobre a falta de vagas para os jovens angolanos no mercado de trabalho e de maiores oportunidades para os comerciantes varejistas nativos.

A situação tende a piorar se os governos da China e de Angola concluírem um acordo para o arrendamento de longo prazo de terras agricultáveis à produção de arroz (e, quem sabe, de soja e mesmo de cana-de-açúcar voltada para a produção de etanol) orientada para o mercado consumidor chinês. A oposição angolana, apesar de sua recente derrota nas urnas, ganhará mais um motivo para criticar a “presença e as ações neocolonialistas da China no cultivo de terras africanas”. “Acabaremos importando o nosso próprio arroz dos chineses”, ironizou um internauta angolano ao comentar a suposta proposta chinesa.

Mas é bom lembrar que tanto a situação quanto as oposições angolanas qualificam como “indispensável” o apoio recebido da China no Conselho de Segurança da ONU em relação à “indivisibilidade de seu território”. Leia-se: Pequim chancela a controvertida política dispensada pelo governo central à Cabinda ““ a mais petrolífera e separatista província angolana.

As acusações em torno do “neocolonialismo chinês” também vêm perturbando o sono do presidente moçambicano Armando Guebuza. A possibilidade de Maputo arrendar terras para os chineses cultivarem alimentos destinados ao seu mercado interno ““ aliado às freqüentes acusações de corte e tráfico ilegal de madeira, realização de concorrências públicas na área da construção civil orientadas à vitória das empresas chinesas e da crescente importação do modelo político do Partido Comunista Chinês (PCCh) ““ se tornou o mote para as pesadas críticas efetuadas pela RENAMO ““ o principal partido de oposição em Moçambique ““ contra o governo.

A esta altura do campeonato, as lideranças políticas e econômicas moçambicanas que afirmavam que a crise norte-americana não prejudicaria o comportamento da economia nacional, em virtude de sua proximidade com a China, já colocaram suas barbas de molho. Afinal, a oposição poderá faturar em cima de um eventual retrocesso do fluxo comercial com os chineses ou, mesmo, com a diminuição dos investimentos chineses em seu território.

O cenário do comércio sino-lusitano não poderia ser mais desconfortável na ótica de Lisboa. As exportações portuguesas para a chamada Grande China (incluindo Hong Kong e Macau) retrocederam de 319 milhões de euros em 2006 para 250 milhões de euros em 2007. Como se isso não bastasse, os portugueses estão à beira de uma crise de nervos com o significativo atraso do início das operações de seu Centro de Distribuição de Produtos Portugueses em Macau, originalmente destinado a explorar o potencial do mercado interno da nação mais populosa do planeta a partir do primeiro semestre de 2008.

No geral, o prognóstico também não é dos melhores para os foros que permeiam o mundo sino-lusófono. Tanto a CPLP quanto o Fórum de Macau não se consolidaram como mecanismos capazes de intensificar as relações econômicas entre os países lusófonos e a China. Pequim, por sinal, nunca nutriu forte entusiasmo pelo Fórum de Macau, mas concordou com a sua instalação após a emanação de fortes pressões do ex-conclave português em seu território. A CPLP, na visão dos próprios países que a compõem, é um foro limitado para a projeção de seus interesses internacionais.

Além disso, se a recessão mundial realmente se aprofundar e a China acumular freqüentes superávits com seus parceiros lusófonos, as acusações em torno do fato de Pequim simplesmente estar reproduzindo as relações implícitas no “North ““ South Fair Trade” deverão proliferar por importantes segmentos intelectuais e produtivos da CPLP. Para tanto, basta ver a (oportuna) reação da imprensa e dos analistas econômicos brasileiros frente ao fracasso acumulado pelo Itamaraty durante as negociações da Rodada de Doha.

O risco de a crise financeira norte-americana e da recessão mundial atingir a China é grande, apesar do potencial de seu mercado interno. Em primeiro lugar, é bom lembrar que o setor hipotecário chinês vem apresentando sintomas similares à crise do mercado de hipotecas subprime nos Estados Unidos. Não por acaso, os principais jornais especializados no setor imobiliário chinês, todos diretamente vinculados ao Ministério da Construção da China, deixaram de publicar as principais tendências mundiais do segmento, bem como de seus crescentes riscos nos últimos anos.

O resultado aí está: o número de protestos dos mutuários que apostaram no financiamento de seus imóveis ““ popularmente conhecidos como “escravos da casa própria” -, é cada vez maior na China. Obviamente que o governo central chinês dispõe dos meios e fundos necessários para enfrentar uma crise no segmento ““ sem prestar maiores esclarecimentos à população. Ou seja, se precisar, Pequim poderá varrer os prejuízos dos bancos para debaixo do tapete.

Mas a vitalidade do setor imobiliário ““ anteriormente garantido pela demanda gerada pela ampliação do poder aquisitivo da população urbana -, não é mais o mesmo. O temor pelo futuro das empresas exportadoras, a excessiva especulação dos preços dos imóveis e o fiasco de projetos multimilionários como o de Qujiang, em Xi´an, estão afugentando os consumidores chineses.

Ao mesmo tempo, o namoro dos chineses com os Treasuries (títulos do Tesouro dos Estados Unidos) é antigo e marcado por aproximadamente US$ 517 bilhões em investimentos. O montante aplicado pela China perde apenas para o valor creditado pelo Japão, cuja montanha de aplicações se aproxima dos US$ 593 bilhões. O rendimento dos investimentos, entretanto, vem declinando com a ampliação da procura por esses papéis, impulsionada pela vertiginosa queda de confiança nos negócios e nas ações. Em outras palavras, os títulos norte-americanos são o porto-seguro dos investidores.

Porém, não há muito espaço para graves erros por de trás dos muros vermelhos de Zhonanghai. Se a crise financeira norte-americana cruzar para valer o Oceano Pacífico e desembarcar com força na China, a linha reformista do PCCh e pró ““ Estados Unidos ““ simbolicamente personificada no ex-presidente Jiang Zemin -, perderá espaço dentro do governo e junto à opinião pública para a ala nacionalista e favorável ao desenvolvimento do interior chinês liderada pelo atual presidente Hu Jintao.

A surda disputa no centro do poder chinês poderá se agravar ainda mais caso os investimentos chineses nos Estados Unidos ““ que ajudam a financiar os déficits comercial e em conta corrente da maior economia mundial – acumulem sérios prejuízos. E, pela primeira vez nas três últimas décadas, a maioria absoluta dos chineses deixaria de ver a aproximação comercial e cultural de sua nação com as principais economias ocidentais como absolutamente vantajosa.

A conseqüência imediata deste cenário para os países membros da CPLP é mais ou menos óbvia: haveria um aumento imediato do protecionismo nos setores de média e alta intensidade tecnológica, ao mesmo tempo em que a concretização de investimentos em seus respectivos territórios passaria a agregar um forte componente ideológico e geopolítico. Neste caso, anti-Estados Unidos.