Por Manuel Monteiro (Universidade Lusíada de Lisboa)
OGALUS: Observatorio Galego da lusofonía

PORTUGAL: o regresso das maiorias absolutas de um só partido

Com uma maioria absoluta de um só partido, a quarta desde o início da III República portuguesa (1987, 1991, 2005 e 2022), há uma pergunta que de novo se coloca: assistiremos ao esvaziamento do papel do Parlamento e teremos um reforço da posição do Primeiro-Ministro? Dito de outro modo, caminharemos para o que alguns designaram de presidencialismo de primeiro-ministro, quando, em particular, quiseram caracterizar o quadro político vivido entre 1987 e 1991, durante a primeira maioria absoluta do PSD liderado por Cavaco Silva? A resposta terá quanto a nós de integrar três perspectivas: a que contempla a Constituição formal, a que não ignora a Constituição real e a que não desvaloriza a personalidade dos protagonistas. Vejamos, de forma simples, o que significa cada uma delas.

Quando olhamos apenas a Constituição sob o ponto de vista formal, seremos sempre conduzidos para a afirmação de que o Parlamento não perderá a sua predominância perante o Governo e o Primeiro-Ministro. A ele cabe, continua a caber, a apreciação do programa do Governo, a aprovação do Orçamento do Estado, bem como a aprovação de todo o conjunto de matérias que constitucionalmente lhe estejam reservadas, independentemente das maiorias que pontualmente sejam requeridas. E mais assim será, caso os Deputados entendam avançar para a já falada revisão constitucional. Neste caso em concreto, até pela intransponível exigência de uma maioria de 2/3 dos Deputados em efectividade de funções, o Parlamento assumirá uma indiscutível relevância face a qualquer possível hegemonia, ou tentativa de hegemonia governamental.

Mas se isto é assim sob o ponto de vista da Constituição formal, diferente é a perspectiva quando analisamos a situação de acordo com a Constituição real. E porquê? Porque na realidade, goste-se ou não, o Parlamento é mais um Parlamento de partidos políticos, do que um Parlamento de Deputados. São os partidos, salvo muito escassas excepções, que determinam o que votam e como votam os Deputados e são os partidos que definem a agenda política nacional. Fazem-no, traduzindo a vontade dos seus órgãos directivos nacionais e, em particular, de quem os lidera. Ora, quando há um partido com a maioria absoluta dos Deputados e sendo estes na sua esmagadora maioria fruto da escolha da liderança partidária, será sempre difícil que a sua voz se manifeste em sentido distinto daquele que a liderança escolha. Acresce que quando essa liderança partidária é em simultâneo a liderança do governo, menor é a autonomia dos Deputados, pelo que quanto menor for a autonomia dos Deputados menor será a relevância do Parlamento. Foi assim no passado e provavelmente será assim no futuro. Pode, porém, a realidade mudar? Pode, e pode até o esforço comunicacional tentar demonstrar o contrário, mas só os factos demonstrarão se a essência terá mais peso do que a aparência.

Restando abordar a personalidade dos protagonistas, não poderemos deixar de fora de qualquer análise a figura do Presidente da República. Apesar de não governar e apesar do seu poder de veto, diante a maioria absoluta, se encontrar de facto mais condicionado, ele não é, nem se espera que venha a ser, um protagonista menor. Não tanto pelas competências que a Constituição lhe atribui e reserva, mas mais pelas características políticas que o distinguem. Não se espera que o Presidente seja um contrapoder, mas também não se vislumbra que seja um espectador passivo. É certo que o Presidente foi apoiado pelo Primeiro-Ministro na sua reeleição para o segundo mandato, e é também certo – talvez isso seja hoje mais visível – que esse apoio foi agora compensado com a maioria absoluta, mas tal não impedirá o Presidente da República de vincar a sua presença.

Presidente da República e Primeiro-Ministro poderão ser assim, nos próximos tempos, as figuras de grande relevo da política portuguesa, remetendo o Parlamento para um lugar de menor plano. E esse relevo, no que ao Presidente respeita, será sem dúvida evidente quando o Primeiro-Ministro quiser avançar com a divisão do país através da regionalização. Mais até do que no modo como serão aplicados os dinheiros do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), será na questão da regionalização que o Presidente da República poderá evidenciar o seu peso político. Poderemos então assistir a uma versão duplamente presidencialista do sistema de governo português: o presidencialismo do Presidente e o presidencialismo do Primeiro-Ministro. Nada afinal, que impeça os interlocutores de comodamente exercerem os seus papeis.