Nós no Mundo 2023: Construíndo o futuro, activando a Lei de Acción Exterior

A Lusofonia no horizonte. Alguns apontamentos

Se durante grande parte do século XX o contacto com Portugal ou com a chamada Lusofonia esteve interdito ou dificultado por razões diversas (as ditaduras peninsulares à frente) a despeito das elaborações galeguistas desde os seus começos, a partir do último quartel de século passado várias alterações vão propiciar um horizonte de possibilidades em grande medida inédito na Época Contemporânea. O fim das ditaduras e, já em fins de século, a adesão à, na altura, Comunidade Económica Europeia (em 1986) vão significar, com o passar dos anos, uma alteração radical do quadro relacional político-económico dos dois Estados peninsulares. Neste contexto, a Galiza, dotada estatutariamente de capacidades bastantes, vai beneficiar de amplas possibilidades para promover uma rede de relações exteriores em função dos seus interesses, também com Portugal, com a Lusofonia.

Assim, mercê fundamentalmente às políticas de origem europeu (interessadas aparentemente sobretudo na construção do mercado europeu), a relação entre a Galiza e Portugal experimenta um grau de institucionalização significativo de que dão conta, por exemplo, as seguintes organizações: a Comunidade de Trabalho Galiza/Norte de Portugal (1991), a partir de 2008 Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza – Norte de Portugal; constituído por mais de 40 cidades e vilas, o Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular (1992); as Eurocidades Chaves-Verim (2007), Valença-Tui (2012), Monção-Salvaterra (2015) e Cerveira-Tominho (2018) (em projeto, Caminha-A Guarda); ou, no âmbito académico, o Centro de Estudos Eurorregionais Galiza – Norte de Portugal (2004), integrado por 7 universidades galegas e portuguesas. Este percurso atinge, na Galiza, um ponto alto com a promulgação em 2014 no Parlamento galego da Lei Valentim Paz Andrade (LEI 1/2014, do 24 de marzo, para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía), fruto de uma Iniciativa Legislativa Popular promovida por, dito rapidamente, grupos empenhados no contacto com o mundo português/lusófono na sua maioria filiados ao reintegracionismo linguístico(-cultural) galego. Em seguimento da aprovação desta Lei, quase 10 anos depois, a Xunta de Galicia noticiou a constituição do Observatorio da Lusofonía Valentín Paz Andrade.

Ora, este (re)aproximar entre as duas bandas do rio Minho tem enfrentado, e enfrenta, entraves e lacunas não menores. Por um lado, o contexto adverso, no quadro do Estado espanhol, às línguas e culturas subestatais (agora, permita-se-me o comentário ligeiro, aparentemente atenuado por razões de aritmética parlamentar) e, particularmente, às relações destas com outros espaços político-culturais tem significado um importante obstáculo, ao qual cabe acrescentar uma (in)certa resistência sistémica das instituições políticas e culturais centrais na Galiza quanto à relação cultural com o mundo (em) português (a questione della lingua, ao fundo). O perigo português, dupla origem e similar resultado, caberia cogitar.

Por outro lado, como foi dito, a (re)aproximação teve lugar principalmente entre as duas bandas do rio Minho, isto é, Galiza e o Norte de Portugal, eurorregionalmente irmanados. Quanto ao resto da República vizinha pouco sabemos. Do restante amplo espaço designado por Lusofonia? Da África lusófona? Parafraseando uma recorrente pergunta do Prof. Elias Torres, poderíamos colocar a seguinte questão: a Lusofonia para que? Ou mesmo quem? É caso para pensar, em função das informações de que dispomos acerca dos objetivos do mencionado Observatorio1 que a planificação do contacto Galiza-Lusofonia – e sem entrar agora no processo em curso de substituição/dialetalização linguística a norte do Minho – está ainda numa fase inicial.

Permito-me dar notícia, por último, do próximo XIV Congresso da Asociación Internacional de Estudos Galegos. Horizontes dos Estudos Galegos e/na Lusofonia (UMinho, Braga/Guimarães, 17-20 de abril de 2024) que poderá ser também uma boa oportunidade (assim o espero) para abordar estas questões e, no melhor dos casos, contribuir com respostas para o tal horizonte lusófono que os/as galegos/as poderão, se assim o entenderem, imaginar e até, quem sabe, enveredar.

Este artigo fai parte do Informe anual da acción exterior de Galicia Nós No Mundo 2022-2023 “Construíndo o futuro, activando a Lei de Acción Exterior”, podes descarregalo completo aquí. Consulta todos os Informes Nós No Mundo aquí.