Brasil e Galiza, a tradição do voto carismático

“A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor do que ela.” Winston Churchill

As eleições representam o auge da participação popular nos regimes democráticos e uma renovação do pacto social, com a consequente remodelação das estruturas do Leviatã (Hobbes.1651) e do destino de um lugar, conforme os desejos do povo, ou ao menos é o que indica a própria etimologia do termo. Já que na prática, as vicissitudes do poder, acabam deturpando o modelo e reproduzindo assimetrias sociais, falta de representatividade e concentração de política.

A linha que separa a democracia da tirania é cada vez mais ténue, seja pela apropriação do processo ou por desvios no mesmo. Havendo exemplos de que não sempre um processo eleitoral de fato representa os anseios da população, mas sim uma continuidade de um poder instituído e de padrões de dominação assimilados culturalmente ou forçados e instaurados.

Sendo assim, mesmo havendo eleições em países como o Irã ou China, a legitimidade do processo eleitoral é colocada em julgamento pela comunidade internacional e por parte de sua população.

Embora o próprio sistema internacional e as grandes potências parecem ser aqueles que determinam em última instância o que de fato é legitimo ou não. Onde líderes de determinados países são designados como ditadores ou líderes autoritários, perante lideranças consideradas legítimas que ocupam o mesmo período, nos países considerados democráticos.

As modificações da própria democracia e da participação eleitoral inerentes de uma nação, são questionadas ora pela sua legitimidade ora pelo seu impacto regional, sem existir um padrão internacional capaz de nortear essas transformações, salvo sua associação ao sistema internacional e adesão aos fluxos internacionais.

Assim líderes da Europa com anos de governo contínuo são vistos como exemplos políticos frente a líderes de países periféricos que são vistos como usurpadores do poder, deixando em segunda instância a própria capacidade da população de escolher a durabilidade da liderança e seu tempo de permanência na gestão.

Em nenhum momento o objetivo deste artigo é advogar por um lado ou pelo outro, mas questionar as dinâmicas do processo democrático e sua estrutura de representação e eleição. Assim como o papel das transformações democráticas e das lideranças.

Segundo Max Weber, existem 3 tipos básicos de liderança: a tradicional, a carismática e a legítima, sendo está última fruto de um sistema burocrático e de métodos democráticos. Sem embargo na atualidade assim como na estrutura de determinadas nações, vemos uma superposição desses tipos de liderança, sendo estes os fatores que usam a comunidade internacional em seu julgamento.

Países e regiões com históricos diferentes acabam reproduzindo formas de lideranças que são uma amalgama dos tipos descritos por Weber.

O populismo e mais recentemente o tecnopopulismo, apoiados muitas vezes em sistemas culturais, histórico de dominações e religião, moldam lideranças dentro de regimes democráticos e estabelecem padrões de comportamento eleitoral e até mesmo ciclos de poder.

Ao analisar as intenções de voto no Brasil e os resultados das eleições na Galiza vemos um paralelismo em relação a cultura eleitoral de ambos os lugares.

O voto se transformou em tradição, e os líderes carismáticos em exemplos políticos. Não havendo um processo de aprendizagem ou reflexão democrática, mas sim a continuidade de um ciclo instituído de concepção de poder e liderança, onde mesmo a alternância de forças políticas segue uma ordem.

Uma imagética de como devem falar, se vestir, se comportar e discursar os líderes, onde muitas vezes as demandas sociais ficam em segundo plano, perante as pautas e promessas feitas ou perante a própria imagem do líder.

Na Galiza, o recente presidente reeleito Feijóo, usou em toda sua campanha seu próprio nome, deixando sua afiliação partidária em segundo plano, estabelecendo uma associação direta entre sua figura e o voto. Se consolidando como líder em seu quarto mandato.

No Brasil, o presidente Bolsonaro, construiu sua imagem em um discurso messiânico e protagonista, e mesmo após perder seu partido, mantém sua base de eleitores guiados pela sua própria figura.

Em ambos casos, uma associação entre a tradição do voto e a figura carismática de um líder, onde o posicionamento político do eleitor é inflexível em muitos casos, ainda que seja contraditório as demandas sociais existentes.

Em Galiza a crescente perda de tecido produtivo, indústrias, população e representatividade em Madrid, não pesou na formação do voto; da mesma forma que no Brasil a falta de serviços públicos de qualidade e maior justiça social não foram suficientes para retirar votos de Bolsonaro. Mas bem, houve uma construção em relação aos candidatos, advindas da própria tradição eleitoral e de suas lideranças.

O voto é uma forma de manutenção do status quo e não de modificação do mesmo ou uma contraposição as outras forças e ideologias políticas. Muitos preferem manter uma estrutura conhecida que de fato se abrir a novas mudanças. Votar no padrão facilmente reconhecido e tradicional, muitas vezes revestido de um certo conservadorismo.

Assim, Bolsonaro não precisou de participar dos debates nem apresentar projeto de governo, da mesma forma que Feijóo não foi cobrado pela sociedade por mudanças referentes a suas três gestões anteriores.

Exemplos de líderes que mesmo sendo tão diferentes, contam com o mesmo padrão social eleitoral. Explicando o motivo da vitória de Feijóo e da liderança nas intenções de voto para as próximas eleições presidenciais no Brasil em 2022.

Ambos estão localizados em populações com padrões tradicionais e carismática, onde a iconografia do líder, supera seus programas de governo e demandas sociais. Nos quais a população parece ter aceitado esse papel da liderança e desistido de ser protagonista de sua própria história. Onde não existe uma força antissistema, seja em relação a Madrid no caso da Galiza ou dos Estados Unidos no caso do Brasil.

O discernimento crítico e político se transforma em força revolucionária ainda que quando mude o ciclo, volte a reproduzir os mesmos erros... não deixar de fato a população falar ou decidir.... Mas guiar a todos... na manutenção do poder e da política... Isso é democracia? Ou dominação institucionalizada?... fica aí a pergunta...

Wesley S.T Guerra

 

Referências:

Sociología del poder: los tipos de dominación, Alianza (2012)

Hobbes, Thomas. Leviatán: o la materia, forma y poder de una república eclesiástica y civil. (2009)

Tucker, Robert. El líder carismático. 1970