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Lula ganhou a presidência, porém o bolsonarismo “venceu” as eleições

Com uma diferença de pouco mais de 2 milhões de voto, Lula venceu a corrida presidencial totalizando 50,9% dos votos válidos diante do seu maior rival político o atual presidente Jair Bolsonaro que teve 49,10% dos votos.

As eleições foram disputadas voto a voto e houve momentos de tensões durante toda a jornada eleitoral, embora os tribunais eleitorais tratavam de transmitir uma mensagem de tranquilidade.

Liñas de investigación Observatorio Gallego de la Lusofonía
Apartados xeográficos América Latina
Idiomas Portugués

Entre os eventos que marcaram as horas prévias as eleições, está o vídeo da deputada federal bolsonarista, Carla Zambelli, eleita pelo Estado de São Paulo e aliada direta do governo Bolsonaro, que ameaçou com uma arma a um civil simpatizante do Lula, incumprindo a lei referente ao porte de armas de fogo no dia das eleições, sendo seu uso somente autorizado para as forças de segurança do Estado.

Outro momento crítico, foram os mais de 500 controles realizados pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em diversas estradas do Nordeste do país (região onde Lula era o grande favorito) dificultando o acesso ao voto de milhares de brasileiros que moram em regiões do interior, ainda quando o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) havia determinado que não haveria controles nas estradas no dia das eleições para permitir a livre circulação dos votantes, sendo ignorado pelo diretor da PRF que momentos antes dos bloqueios, publicou em seu twitter uma nota pedido apoio para Bolsonaro.

Após a confirmação da vitória de Lula pelo Tribunal Supremo Eleitoral, diversos líderes do mundo inteiro, tais como Macron (França), Biden (EUA), Pedro Sanchez (Espanha), Marcelo Rebelo (Portugal), felicitaram ao candidato eleito, não havendo a típica declaração oficial do atual presidente Jair Bolsonaro reconhecendo a vitória de seu rival, permanecendo em silencio após uma reunião de última hora com o general Braga Netto.

Embora Lula tenha ganho a corrida presidencial, o Bolsonarismo “venceu” as eleições, já que os candidatos e aliados de Bolsonaro, conseguiram não somente reunir uma maioria no Congresso de Deputados, mas também governar importantes estados da União, tais como São Paulo, o estado mais rico e desenvolvido do Brasil, Rio de Janeiro e Minas Gerais, completando o “triangulo financeiro” do país. 

Certo é que a vitória de Lula representa um alivio para as relações internacionais do Brasil e uma possível mudança nas políticas sociais, porém a governabilidade e governança será o maior desafio de sua gestão, já que será muito difícil pactuar com a maioria bolsonarista eleita, para promover mudanças mais profundas ou consolidar seu plano de governo.

No Brasil, existe o chamado decreto presidencial, uma herança dos tempos autoritários que permite ao presidente elaborar uma série de medidas de forma autônoma, ainda assim o uso dessa artimanha legislativa é mal-recebido pela sociedade local, os representantes políticos e comunidade internacional, sem embargo pode ser uma das únicas alternativas do presidente eleito Lula da Silva de realizar algumas mudanças e avançar em um redirecionamento do Brasil.

Pois a vitória de Lula diante de uma maioria de aliados de Bolsonaro, deixou claro que o Brasil rejeita a Bolsonaro, mas não ao bolsonarismo , e seus ideais e discurso ainda possuí um amplo apoio social (ou ao menos da metade da população) em bases consolidadas tais como a bancada ruralista e os evangélicos,  fazendo com que o processo legislativo e político seja complexo ou praticamente inviável para alguns temas.  Já o denominado “Centrão” saiu novamente fortalecido e com as cartas do jogo, já que Lula deverá negociar cada passo de sua gestão, o que normalmente leva a problemas no desempenho desses atores e até mesmo esquemas de favores e corrupção, já que o multipartidarismo do Brasil possuí esse lado negativo, se por um lado representa a diversidade de opiniões e visões da nação, por outro, controla o processo legislativo nas sombras.

Porém vamos aos números, e dessa forma dissipar qualquer sombra ou dúvida de índole ideológica ou partidária.

Lula obteve um total de 60.345.999 votos, diante de Bolsonaro que obteve 58.206.354, uma vitória apertada, com aproximadamente 1 ponto percentual de diferença, assim mesmo o TSE contabilizou 3.930.765 (3.16%) de votos nulos e 1.769.678 (1,43%) de votos em branco, com uma taxa de abstenção de 20.59% (inferior que a registrada no 1º turno) se mantendo dentro da margem histórica, porém sendo a maior taxa de participação em um 2º turno.

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Foto: Resultados Eleições. Por TSE.

Bolsonaro ganhou em 14 estados (somando o Distrito Federal) e Lula liderou em outros 13 estados, já nas capitais Bolsonaro venceu em 16 frente a Lula que venceu em 11, de modo que a vitória petista se deve mais a um movimento periférico e de regiões tradicionalmente alinhadas ao partido trabalhista que a de novos eleitores. O nordeste do Brasil, responsável pela maioria de votos do presidente eleito, embora formado por 9 Estados, representa um colégio eleitoral semelhante ao Estado de São Paulo, onde Bolsonaro liderou as votações e conseguiu eleger ao governador de Estado (Tarcísio de Freitas) bolsonarista e aliado direto.

Na Câmara de Deputados, Bolsonaro logrou eleger 99 aliados diretos (23 a mais que nas eleições passadas), além dos 8 senadores. Quando contabilizamos a totalidade da câmara formada por 513 deputados, o líder do PT possui 144 deputados e Bolsonaro 194, já o Centrão possui 175 representantes. Algo que sem dúvidas dificultará o processo legislativo e até mesmo consolida uma base viável para o pedido de impeachment, já que Bolsonaro possuí amplas vantagens no legislativo, ainda que uma péssima relação com o Supremo Tribunal Federal.

Foto: Alianças Câmara por G1.com
Foto: Alianças Câmara por G1.com

No quadro de governadores, Lula conseguiu o apoio de 11 Estados, porém Bolsonaro elegeu 14 candidatos, havendo dois governadores que não se posicionaram oficialmente, Eduardo Leite do PSDB, que mesmo sendo do partido da vice-presidência de Lula, representa o Rio Grande do Sul, estado onde a maioria de votos foram para o presidente Bolsonaro, e Raquel Lyra de Pernambuco que também pertence ao PSDB sem embargo no seu estado (região onde nasceu Lula) Lula liderou as eleições.

De modo que, mesmo com Lula vencedor, o Bolsonarismo continuará forte dentro da máquina política brasileira e em grande parte de sua população, já que possui não somente a representação oficial, como domina meios de comunicação ligados ao público evangélico e a empresários conservadores.

E mais que vitória, Lula possui um grande desafio a frente, ficando novamente refém dos deputados do “centrão”, algo semelhante ao que aconteceu com Dilma Rousseff e que teve como resultado o impeachment uma vez que a mesma se negava a negociar com eles.

Cabe ressaltar que um dos pontos mais fracos da campanha de Bolsonaro foi o chamado “orçamento secreto” onde desviou recursos de diversos setores (entre eles saúde e educação) no intuito de comprar os favores dos deputados do centro, o que pode agravar a governabilidade de Lula e impactar em seu plano de governo.

Em relação a sociedade, a mesma continua dividida e cada vez mais extremista, ainda com o discurso de Lula de “governar para todos” os ideais do bolsonarismo ecoam em uma importante parcela da população, já que os mesmos são uma amálgama de religiosidade, ideologia, elitismo e conservadorismo, arraigados no íntimo de muitas pessoas e reforçados com o uso de símbolos religiosos e patrióticos, um reflexo de um fator constituinte da sociedade brasileira e que encontrou em Jair Bolsonaro seu “mito” ou “messias”.

Já no mercado financeiro, o mesmo parece esperar profundas mudanças no Brasil e houve um incremento do valor da moeda local (Real) em comparação as principais divisas do planeta (Euro e Dólar) como uma espécie de ensaio da participação do Brasil no Cenário Internacional ou melhor como sua renovação. 

Lula não é muito querido pela elite financeira do Brasil, porém a mesma obteve os melhores resultados econômicos em sua gestão devido a mobilização social causada pelas políticas sociais da gestão trabalhista o que levou a personagens como Amoêdo (CEO do maior banco privado do Brasil e fundador do partido Novo) a ser expulso do partido que ele mesmo criou e criticou pelo seu alinhamento com Bolsonaro.

Com conclusão podemos indicar que o Lula venceu a batalha presidencial, mas não a guerra política e social na qual o Brasil está submerso, que temas da agenda progressistas tais como o direito das mulheres ou das minorias e programas sociais, continuam sendo um grande tabú por parte dos brasileiros que ou bem pertencem a classes econômicas superiores ou consideram que possuem algum tipo de superioridade moral diante do resto da população.

A situação do Brasil não vai se resolver por um passe de mágica, será necessário muita negociação e “jogo de cintura” para que de fato seja possível reverter os 4 anos de Bolsonaro, pois o mesmo pode deixar de ser presidente, porém seu legado permanece mais vivo que nunca.