No primeira parte deste artigo sobre as relações entre o Brasil e a Galiza, publicado nesta revista digital em sua edição anterior falamos do papel histórico da Galiza na formação de uma área cultural e linguística galaico-portuguesa, e que mesmo havendo divergências entre os historiadores e pesquisadores quanto ao desenvolvimento do atual galego e português como línguas irmãs ora como unidade linguista fracionada ora como línguas diferentes, são muitas as sinergias que hoje servem de impulso para um aprofundamento das relações, tanto com Portugal como com o Brasil.
Na atualidade, sem dúvidas é importante mencionar a Euro-região formada pelo norte de Portugal e Galiza, fundada em setembro de 2008 no marco da Agrupação Europeia de Cooperação Territorial, cuja base já existia desde 1991 com o Acordo de Cooperação Transfronteiriça Portugal-Espanha e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional da Região Norte de Portugal (CCDRN), previstas no Convenio de Cooperação Transfronteiriça entre Comunidades e Autoridades Territoriais do Conselho Europeu de 1980. Dando lugar a uma macrorregião dividida entre dois estados constituídos na União Europeia, que juntos formam um território de 51 mil km2 e acumula uma população de mais de 6 milhões de habitantes, permitindo a criação das chamadas Eurocidades tais como Chaves-Verín, Salvaterra do Miño-Monção, Tuí-Valença.
Por outro lado, a relação entre Galiza e Brasil, tal como a conhecemos atualmente, começou a ser desenhada após a aprovação do Estatuto de Autonomia de Galiza em 1981, embora o principal marco sejam as visitas realizadas pelo então presidente da Xunta de Galicia, Manuel Fraga, nos anos 90.
O Brasil passou rapidamente a ser um país prioritário na ação internacional da região, usando como base a presença de uma consolidada comunidade galega concentrada nas cidades de Santos (SP), Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Assim como a criação de núcleos de estudos galegos em importantes universidades do país, tais como o da Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro, oficializado em 1994, porém cuja atividades haviam começado anos antes.
A difusão da paradiplomacia na Espanha foi fundamental para a aproximação do Brasil à Galiza, já que ambos os atores pertencem a diferentes níveis de governo, havendo uma importante atividade entre 1999-2012, época na qual Galiza possuía um escritório de representação no Brasil que posteriormente foi fechado. Sem embargo somente com a aprovação da Lei de Ação Exterior em 2021 na Espanha, foram constituídas as bases legais para a ação internacional galega, possibilitando um novo patamar nas relações.
A falta de um marco jurídico claro, embora não tenha paralisado as relações e atividades entre ambas as regiões, limitou a ação pública da Xunta de Galiza, sendo uma reivindicação constante da comunidade galega a instalação de um escritório do IGAPE (Instituto Galego de Promoção Exterior) no Brasil.
Apesar de toda adversidade, é importante ressaltar os resultados econômicos obtidos por empresas galegas no Brasil, tais como o Grupo Inditex que abriu sua primeira loja em 1999 e hoje representa uma das marcas mais cobiçadas do país; Estrela de Galicia que entrou em 2008 e rapidamente passou a formar parte do concorrido mercado de cervejas do país, a presença de instituições financeiras como ABANCA, e até mesmo empresas de tecnologia como a Imatia em 2010 como percussora de outras empresas TICS de Galiza em processo de internacionalização que escolheram o Brasil como base de operações.
Embora Galicia já foi a terceira comunidade autônoma espanhola que mais exportava para o Brasil (ICEX,2019) o fluxo caiu drasticamente nos últimos anos, sendo atualmente a 10ª em exportações e a 7ª em investimentos no país, por detrás de comunidades próximas tais como: Cantábria ou Asturias. A falta de políticas de promoção, acordos bilaterais e estratégias específicas minam o potencial de Galiza na região.
Certo é que o Brasil foi declarado como país estratégico do FOEXGA (plano de fomento de exportações galegas) em 2021, havendo uma série missões e reaproximações, sem embargo descentralizadas ou focadas em setores muito específicos e já saturados pela presença de outros atores, sejam do resto da Espanha ou da própria União Europeia.
Nesse sentido, Galiza deve usar seu diferencial, o fato de ter um passado em comum e uma base cultural e linguística similar, além de atuar como HUB entre Espanha e até mesmo Portugal e dessa forma diversificar sua atividade mediante uma estratégia que a posicione além de suas relações com a comunidade galega presente no país ou a promoção exclusiva do Caminho de Santiago, que mesmo sendo a estrela turística da região, acaba ocultando o potencial de outros setores tais como o enoturismo e ecoturismo.
A aproximação de Galiza a comunidade lusófona e suas relações cada vez mais consolidadas com Portugal, refletidas na lei Valentin Paz Andrade (2014) podem ser a base da construção de um eixo atlântico de grandes proporções nos quais, não somente o Brasil, mas outros países da lusofonia, tais como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e até mesmo Moçambique (no oceano Índico) podem resultar em grande mercado com grande potencial de consumo e elevada demanda, além de aproximar a relação norte-sul de forma paralela as já instituídas pelos acordos internacionais e estatais e descentralizar as negociações levando oportunidades a todos os atores implicados e a todo o conjunto das nações envolvidas. Algo que não necessariamente deve causar espanto por parte dos governos centrais, mas atuar como força indutora de desenvolvimento entre outras polaridades.
Quando esta ponte atlântica seja construída entre os diferentes países da lusofonia Galiza deixará de estar na periferia das negociações e nos resquícios das oportunidades para ser a protagonista de sua própria história assim como os países participantes, um eixo formado por sinergias e com grande potencial, negligenciado até o momento, mas que pouco a pouco se consolida.