Quando nos anos 30, o escritor português, Manuel Ferreira, no ensaio “A Aventura Crioula”, pergunta afinal -Cabo Verde é igual á África ou Europa? Conclui que Cabo Verde é igual a Cabo Verde. A poesia e mais outras culturas cabo-verdianas não traduzem movimento algum revolucionário da “negritude”, evidenciaram e continuam a trajectória de sempre, é verdade, personalizando uma realidade diferente: identificando uma luta grandiosa contra a natureza hostil, contra a persistência da seca, a erosão permanente devido às “lestadas”, a persistência da seca, a emigração, o mar, a evasão, a insularidade, o amor, a saudade… ou a simplicidade de uma existência pacífica ou “morabeza” que denominamos também “cabo-verdianidade”.
Para se expressar, o cabo-verdiano, utiliza no quotidiano da sua vida a sua lingua materna, única e comum, com algumas diferenças de pronúncia e de vocabulário o “pidgin”,”CRIOULO”, expressivo e musical, nossa língua materna que traduz melhor o lirismo popular cabo-verdiano e que nunca mereceu suporte algum escolar, durante os longos 500 anos da colonização portuguesa.
A identidade cabo-verdiana tem a marca indelével do negro africano. Os dois cabo-verdianos “especialistas em Historia” que deixaram maior contributo na area, Daniel Pereira e sobretudo António Carreira relatam que, à época da ocupação, os portugueses “fixados” em Cabo Verde eram “minoria”, sendo enorme o contingente de africanos de etnias variadas, escravizados que cedo contribuirão para o nascimento de um “pidgin” (o “CRIOULO”), que, se impôs ao próprio colono português, que tinha também interesse em comunicar-se com os outros povos, Cabo Verde, situado geograficamente no cruzamento das rotas do Oceano Atlântico, e as Américas, era a plataforma adequada ao comércio de víveres, produtos e pessoas, a partir da Cidade Velha (Santiago).
O sistema esclavagista foi instituído a partir de 1466 e como afirmamos acima, a língua de comunicação e comércio inicial, transformou-se com o tempo, na língua língua cabo-verdiana que resistiu e sobreviveu desde a noite dos tempos, continuando após a abolição da escravatura, em 1876. Assim Cabo Verde teve um desenvolvimento literário bastante independente do resto do mundo lusófono. O colono tentou minorizar o CRIOULO, não criando oportunidade para seu suporteescolar e marginalizando essencialmente as manifestações culturais cabo-verdianas populares que se viram interditadas de serem praticadas na cidade capital Praia, (Santiago) foi o caso da Tabanka e mesmo Batuku…!
O colono investiu no ensino da lingua portuguesa, precisava de cabo-verdianos na administração do mundo lusófono nas colónias africanas, instalou a Typografia Nacional na Praia-Santiago começando a publicação do Boletim Official do Governo-Geral de Cabo-Verde, em 1842, sucedida pelo incremento, da instrução pública, com a criação da Escola Principal de Instrução Primária de Cabo Verde (Brava1847), do “Lyceu Nacional da Província de Cabo Verde (Praia, 1860) e do Seminário Eclesiástico da Diocese de Cabo Verde (S. Nicolau, 1866), adubando o solo para a formação da série literária cabo-verdiana, que fermentou o nascimento da Literatura Moderna Caboverdiana. Autentica dos anos 30 a “CLARIDADE”…
A produção literaria cabo-verdiana foi sempre influenciada pela insularidade referência e o espaço cultural ilha natal de cada autor e hoje estende-se como bandeira de abertura planetaria para este pequeno arquipélago de dez ilhas do atlantico médio.
A aventura cultural literaria cabo-verdiana cruzou caminhos que evoluiram com a produção recente do século XIX, com a pioneira Antónia Gertrudes Pusich, publicando em Lisboa sua poesia antes do surgimento do prelo em Cabo Verde, com Eugénio Tavares, José Lopes e Pedro Cardoso fundando suas poesias no solo de cada uma de suas respectivas ilhas natais). Expressando-se como espaço de identidade nos poemas de Jorge Barbosa. Ganha asas na poesia de Corsino Fortes, aliando Pão (Pátria desejada) a Fonema (expoente da letra), conseguindo equilibrar com mestria o discurso da nação que sonha em se libertar e finalmente consegue libertar-se (Árvore & tambor) construindo-se, com a (des)construção da e na linguagem…
Muito cedo, a literatura cabo-verdiana introduz novos olhares sobre a poética e a prosa dos PALOP, tecendo, com Corsino, Arménio Vieira, Daniel Spinola, Filinto Elísio e Jorge Carlos Fonseca e muitos outros o experimentalismo no poema e no romance, a radicalização da função do autor-leitor que discute em seus textos auto-reflexivos a própria literatura, ou melhor dizendo a literatura universal.
Cabo Verde conseguiu, recentemente dois prémios expoente máximo da literatura portuguesa Prémio Camões, atribuidos aos escritores cabo-verdianos, Germano Almeida e Arménio Vieira…