Artigo original no Especial OGALUS pelo Dia mundial da Lingua portuguesa
Ogalus - Especial Lusofonia 2023

A paradiplomacia na lusofonia

Introdução:

A paradiplomacia é a área das Relações Internacionais, responsável pelo estudo das dinâmicas e projeções dos interesses locais no cenário internacional cuja titularidade é de uma determinada região (Guerra, 2022) dito de uma forma mais singela é a ação política das cidades no cenário internacional, também conhecida como diplomacia das cidades.

Embora a paradiplomacia surgiu com a irmandade de cidades após o fim da II Guerra Mundial, através do acordo entre Coventry (Reino Unido), Dresden (Alemanha) e posteriormente Stalingrado (Na antiga União Soviética) como uma tentativa de restaurar os laços fraternais entre os diferentes territórios e fomentar a cooperação internacional entre os que participaram do conflito, somente com o auge da globalização e a consolidação das cidades globais (Sassen, 2001) se transformou em uma tendencia a nível mundial e em uma nova projeção de poder.

Embora a ação dos chamados entes subnacionais (cidades, estados, províncias e municípios) ainda possuam barreiras, já que não estão devidamente legisladas em diversas nações, havendo ainda uma centralização da ação e representação internacional em seus governos centrais, limitando a projeção de determinadas regiões e cidades, gerando duas realidades, uma formada por um grupo de cidades que concentram influência econômica, social e política no cenário internacional, e outro formado por cidades isoladas em suas realidades locais.

Ainda assim, desde o início do milênio o número de cidades que participam ativamente nos temas internacionais aumentou consideravelmente, havendo uma progênie de instituições locais que representam seus interesses em escala global, mesmo na Lusofonia, cidades como São Paulo, Lisboa e Rio de Janeiro, conseguiram se projetar internacionalmente.

Desenvolvimento:

Porém a paradiplomacia é uma realidade desigual na esfera lusófona, seja pelas restrições legislativas de algumas nações que continuam centralizando as Relações Internacionais em seus governos centrais e representantes máximos do Estado Nação, ainda que existe uma continua descentralização do poder em países como o Brasil (com alguns expoentes de paradiplomacia já consolidados), ou devido ao tamanho e particularidade de seus territórios ou até mesmo devido a sua inserção em marcos supranacionalistas como as cidades de Portugal em relação a União Europeia e a ação das chamadas eurocidades.

Assim mesmo, existe uma vasta lista de acordos de cidades irmãs entre os países da lusofonia, e até mesmo algumas ações e projetos realizados pela CPLP -Comissão de Países de Língua Portuguesa, ou através das agências estatais de cooperação internacional.

Sendo alguns deles já consolidados como a UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, também conhecida como União das Cidades Capitais Luso-AfroAmérico-Asiáticas, a Rede Galabra de âmbito acadêmico, o Forum de Macau cujas bases se concentram na diplomacia oficial, ou até mesmo a Rede de Cidades Criativas da ONU.

Sem embargo, a real relação entre as cidades da lusofonia, na maioria das vezes estão concentradas mais no âmbito acadêmico e institucional que em uma realidade pragmática perceptível pela sua população ou economia, somando-se a isso uma concentração nas relações com os dois principais players da lusofonia, Brasil e Portugal, marginalizando muitas vezes as demais nações falantes do português.

Basta ver a falta de conhecimento generalizada em relação as cidades de outros países de fala portuguesa que não sejam estes dois players, a falta de cooperação técnica, internacionalização de empresas, fluxos acadêmicos, investimentos e até mesmo de conectividade… Muitos países da lusofonia não possuí conexão área entre eles, nem muito menos existe um fluxo turístico (seja este de lazer ou negócios) importante que não seja protagonizado pelo Brasil ou por Portugal.

Países que falam o mesmo idioma, mas que ignoram quase que completamente a realidade de cada um deles, havendo ainda uma aura colonialista nas relações lusófonas e recapitulada através de um capitalismo muitas vezes impositivo e de relações diplomáticas institucionalizadas, porém defasadas.

É curioso saber que na Angola, Cabo Verde, Moçambique, etc… existem novelas do Brasil, quando dificilmente é possível encontrar alguma produção realizada por estes países na programação brasileira… e isso acontece não somente no setor audiovisual, más também nos livros, revistas, produtos e artigos… Até mesmo encontrar produtos de Portugal que não sejam o seu vinho, azeite de oliva ou bacalhau… Ou seja… sim que existem laços comerciais e culturais, porém eles não são capazes de permear a realidade social, continuam concentrados em uma porcentagem muito pequena da população ou em negociações elevadas que estão fora do alcance da percepção do povo.

Uma aproximação entre as cidades, de fato é uma alternativa para aproximar a esfera das negociações lusófonas e ações de cooperação internacional governamentais à realidade do quotidiano e produzir dessa forma reflexos perceptíveis para a população, assim como acontece em outros espaços linguísticos ou até mesmo políticos…(Guerra,2022)

Assim mesmo, a adesão de políticas de paradiplomacia dentro da esfera da lusofonia, permitiria uma maior penetração de áreas de influência do português tais como Galiza e Extremadura (Espanha), Goa (Índia), Macau (China) e até mesmo inserir aquelas com grande número de falantes tais como Andorra la Vella (Principado de Andorra) ou Luxemburgo, onde o português não é língua oficial.

Gerar grandes áreas geopolíticas baseadas em semelhanças linguísticas e culturais é sem dúvida um fator estratégico para as nações e por esse motivo forma parte da diplomacia oficial dos países lusófonos, porém se não houver uma maior divulgação e penetração deste diálogo além da participação dos atores locais, será sempre um tema alheio a realidade social, negligenciando de fato o peso das cidades na gestão e na geração de riquezas dos países e na tomada de decisões e até mesmo no direcionamento dos fluxos sociais (Lefebvre, 2008).

Conclusão:

A paradiplomacia é o meio através do qual as cidades projetam seus interesses e se relacionam, de modo a refletir na dinâmica do espaço social e urbano a realidade internacional e esta deve formar parte das ações lusófonas e das discussões dentro dela… Pois de que me serve ter um acordo fantástico de cooperação e migração, se não existe uma conexão aérea?… Que bom que o presidente do Brasil tenha um parecer sobre a questão dos refugiados, porém não temos voo direto desde São Paulo a Maputo e não podemos receber as vítimas do conflito de Moçambique… Ou de que me servem as ações internacionais? se quando vou numa agência de viagens salvo Portugal…não tenho oferta alguma para países lusófonos, não conheço atores, escritores ou cantores de outros países da lusofonia… de que servem tratados, quando minhas empresas continuam teimando com mercados altamente competitivos já que desconhecem de fato a realidade e demanda de outras cidades que falam o mesmo idioma… De que servirá a lusofonia se ela continua sendo discutida nas altas esferas e jamais se concretizam no meu dia a dia?

Perguntas sem dúvidas provocativas e com mais de uma resposta, mas que no caso do Brasil deixa claro o contrassenso, de… por um lado estar descentralizando o poder, mas por outro inibindo a participação das cidades receptoras desse poder e responsáveis por fim de colocar tudo na prática. Vos deixo com essa reflexão.

PODE CONSULTAR A PUBLICAÇÃO “ESPECIAL LUSÓFONÍA: 15 ANOS DE OGALUS” NESTA LIGAZÓN